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X de Sexo Por Bruna Maia

Fiz uma laqueadura sem ter filhos e foi uma das melhores decisões da minha vida

Nenhuma mulher deve ser obrigada ou pressionada a ter filhos se não tiver esse desejo

Ilustração de Bruna Maia
Ilustração de Bruna Maia - Arquivo Pessoal
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Nunca quis ter filhos, desde os 8 anos, eu sabia que não queria ter filhos. Aos 12, eu lembro de dizer para minhas coleguinhas de colégio católico que, se eu engravidasse, abortaria. Elas ficaram apavoradas –mas sei que duas delas fizeram um aborto ainda na adolescência. Em nenhum momento da vida engravidei, não precisei interromper nenhuma gestação. Mas tratei de garantir que isso jamais acontecesse: aos 33 anos, fiz uma laqueadura, cirurgia em que as tubas uterinas são removidas, de modo que o óvulo nunca chegue ao útero e não haja possibilidade de fecundação.

Tenho 37 e não só não me arrependi, como considero essa uma das melhores escolhas que já fiz na vida. Sinto-me feliz de não precisar usar métodos contraceptivos hormonais ou não. Meu ciclo segue normal. Ovulo, menstruo. Não engravido. Sinto-me tranquila sabendo que o risco de engravidar é baixíssimo (e se isso acontecer, farei um aborto).

Óbvio que algumas pessoas me perguntaram se eu não tinha medo de me arrepender, de um jeito que não perguntariam para uma mulher que decidiu ter filhos. Ninguém é sem noção de olhar para uma grávida e perguntar uma coisa dessas (e muitas se arrependem), mas quando se trata de uma mulher que rejeita a maternidade, as pessoas não têm um pingo de cordialidade e vergonha na cara.

Na cabeça pequena, do tamanho de um caroço de azeitona, de muita gente, mulher nasceu para cuidar. Mulher nasceu para ser mãe. Todas as mulheres desejam ter filhos. A mulher que diz que não quer é apenas uma coitada que não encontrou o amor da sua vida, não ouviu o chamado biológico.

É por isso que a minha decisão de fazer uma laqueadura sem filhos foi o meu ato mais íntimo e mais político. Foi um manifesto: é meu corpo, minha vida, meu direito e ele está sendo exercido.

Como mulher branca, de classe média, com acesso à informação e moradora de uma grande cidade, foi bastante fácil encontrar um médico e fazer cumprir a lei, que diz que você pode fazer a esterilização voluntária se tiver mais de 21 anos ou dois filhos vivos. Grande parte das pessoas, contudo, se depara com uma maré de desinformação e desencorajamento quando decidem seguir esse caminho e têm esse direito negado. Se você cumpre os requisitos e ainda assim um médico te disse que você não pode fazer a cirurgia, anote o número do CRM dele e faça uma denúncia no Conselho Regional de Medicina.

Conto a história da minha laqueadura e a minha relação com a não maternidade no meu livro "Não Quero Ter Filhos (E Ninguém Tem Nada com Isso)", lançado pela Editora Nacional em 2023. Não quis me limitar ao meu próprio universo –para a maioria das mulheres a percepção de não desejar a maternidade não chega tão cedo e tão cristalina como chegou para mim, muitas sofrem pressão social e familiar para gestar e parir que não sofri e não sofro, os direitos reprodutivos são inacessíveis para boa parte da população.

Por isso, entrevistei 19 mulheres e um homem trans, escolhidos em um banco de dados de mais de 2.300 respostas sobre "não querer ter filhos". Percebi que os motivos por trás do não desejo de ser mãe ou do desejo de não ser mãe são variados.

Algumas rejeitam o imperativo de cuidar, imposto às mulheres desde cedo, porque tiveram de cuidar dos irmãos desde pequenas. Outras preferem focar na carreira e ter mais tempo para a vida social, viagens e diversão. Em alguns casos, a ideia de gestar uma criança no próprio corpo é repulsiva. O que é atravessa a maioria dos relatos, independentemente de raça e classe social, é a percepção da maternidade como sacrifício e renúncia, não como um sonho idílico no qual as mulheres encontram a felicidade.

Também é notável nos depoimentos, e na minha própria experiência, que mesmo a mulher mais plena, bem-sucedida profissionalmente, sorridente e festiva vai ser interpelada por algum intrometido, perguntando por que ela não teve filhos e dizendo que ela não conhece o amor verdadeiro. Esses enxeridos não sabem que estão servindo à maternidade compulsória, estrutura social que empurra tantas mulheres para um destino que elas não querem.

Ilustração de Bruna Maia
Ilustração de Bruna Maia - Arquivo Pessoal

Neste mês da mulher, eu quero que todas as mulheres possam se dar ao direito de se questionar se querem ou não ter filhos. E que aquelas que não querem tenham acesso a todos os direitos reprodutivos possíveis, como métodos contraceptivos hormonais e não hormonais, cirurgia de esterilização voluntária e aborto legal, caso acidentes aconteçam (a OMS recomenda o uso dos medicamentos mifepristona e misoprostol).

E também quero que você, abelhudo que acha que toda mulher tem que parir e criar, engula a própria língua, e que você, antidireitos que é contra o aborto, seja arrebatado e vá fazer uma ciranda com fetos no reino dos céus.

Como parte da iniciativa Todas, a Folha presenteia mulheres com três meses de assinatura digital grátis.

X de Sexo por Bruna Maia

Bruna Maia é escritora, cartunista e jornalista. É autora dos livros "Parece que Piorou" e "Com Todo o Meu Rancor" e do perfil @dabrunamaia nas redes sociais. Fala de tudo o que pode e do que não pode no sexo.

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