Quer dar muito neste Carnaval?
Tirar a camisinha é estupro, PrEP previne HIV e outras lições para antes e depois da folia
Por que algumas pessoas —eu inclusive— gostam tanto de Carnaval? É cerveja meio quente, pés doloridos, música fora do ritmo e sexo quase sempre ruim. Ok, pode ser sexo delícia, mas em geral os foliões que se encontram pelos blocos já estão em um estado de cansaço que não ajuda no desempenho. Por isso mesmo muita gente prefere apenas dar uns beijos. Ainda assim, a chance de uma trepada acontecer é alta. E, sem certos cuidados, a chance de ter uma Infecção Sexualmente Transmissível (IST) é alta. O cuidado mais democrático, acessível e eficiente é a camisinha.
Mas e o drama que as pessoas com pênis (*) fazem para usar, né? "Ui, aperta meu pau". Aí você vai ver o pau é: 14 centímetros, espessura de um tubo de cola em bastão. Mesmo que se trate de um gêmeo fálico do Kid Bengala, pode ter certeza de que as camisinhas são muito elásticas e dão conta. Se fosse só esse misto de drama, autoestima elevada com relação ao tamanho da piroquinha, nenhuma conscientização sobre ISTs e o fato de estarem nem aí se a mina vai engravidar porque eles vão sumir mesmo, já seria ruim. Mas às vezes é muito pior e acontece de o infeliz e criminoso tirar a camisinha sem avisar e, quando você nota, ele manda na maior cara de pau um "achei que você tivesse percebido". O nome dessa prática é "stealthing".
Se isso tiver acontecido com você, homem gay, mulher ou qualquer pessoa que faça sexo com quem tem rola, siga um procedimento. Se possível tente descobrir tudo sobre ele, como nome completo, endereço. Se não conseguir, paciência, a etapa mais importante nesse momento é cuidar de você. Vá a um posto de saúde do maravilhoso SUS, diga o que aconteceu e peça a profilaxia pós-exposição, um coquetel de remédios que evita a infecção pelo HIV após a relação sexual. Faça exames de IST depois de um tempo para ver se não contraiu sífilis, gonorreia, clamídia e outras doenças.
Não esqueça que quem fez isso cometeu estupro. O estupro não ocorre apenas quando um predador salta do nada em cima de uma moça numa rua escura. Acontece dentro de casa, no transporte público, em praticamente qualquer lugar. Rola inclusive quando você consentiu e lá pelas tantas não quis mais, pediu pra parar e o outro continuou. E também quando você quer fazer sexo seguro e um criminoso não aceita isso. Atualmente esse crime não é tipificado e tem sido enquadrado no artigo 215 do Código Penal, que versa sobre "posse sexual mediante fraude". É uma pauta feminista tratar legalmente essa prática como ela é: estupro.
Eu faria um Boletim de Ocorrência. Mas sei que é comum sermos desacreditadas e mal tratadas, mesmo em delegacias da mulher. Incentivo a denúncia, mas recomendo fazer isso contando com a presença de alguma pessoa de confiança, que possa te acolher durante o processo.
É com alegria que cito outro método usado para a prevenção do HIV. A profilaxia pré-exposição, conhecida como PrEP. Trata-se de um medicamento que você toma continuamente para evitar a infecção. Existe também o método "on demand", em que o consumo se dá algumas horas antes da relação —para ter acesso à medicação e informações sobre o melhor método para você, vá a um posto de saúde do SUS.
Atualmente, está sendo testada a forma injetável da PrEP, com doses a cada seis meses. Mas, mesmo que você já o utilize, a camisinha não deve ser excluída, pois o remédio não previne outras ISTs –e o tratamento de sífilis é bastante longo.
O interesse pelo PrEP vem aumentando no Brasil. Dados fornecidos pelo Google apontaram que o Brasil é o país da América do Sul que mais buscou o termo nos últimos 12 meses, nos quais o interesse pelo assunto subiu 40% em relação ao período anterior. Bem acima do resto do mundo, que teve alta de 15%. O pico de busca por PrEP por aqui foi em dezembro de 2022.
Um problema muito sério é que mulheres casadas em relacionamentos monogâmicos são o recorte em que a infecção por HIV mais cresce. E mulheres com esse perfil, ou mesmo as solteiras, não estão entre os grupos que têm mais facilidade de acesso ao medicamento: homens gays, homens que façam sexo com homens (HSH), pessoas trans e trabalhadores sexuais. Por que nós somos excluídas dessa prevenção? É um tema para outra coluna. Não pretendo descansar até PrEP e aborto legal estarem disponíveis para todes.
Fico por aqui desejando bom Carnaval e cagando uma regra, cuspindo uma regra, suando uma regra, assoando uma regra, mijando uma regra, menstruando uma regra (desculpe o trocadilho): só transe com quem aceitar transar com você, caso contrário é estupro.
Deixo também uma informação: o método para realizar aborto seguro até 12 semanas, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), é a combinação dos medicamentos mifepristona e misoprostol. O aborto é ilegal no Brasil, mas mulheres seguem fazendo. E informação salva vidas.
(*) nem toda pessoa com pênis
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