É preciso nomear as coisas, e a expressão "ficante premium" veio para consolidar um modelo de relacionamento contemporâneo que está por aí faz tempo e tem seu valor cada vez mais reconhecido. O termo "ficante", apenas, não dava conta da intimidade da relação. "Pau amigo" exclui quem não curte piroca, e, bem, nem sempre esse arranjo tem o nível de profundidade de uma amizade. O meu favorito, "foda fixa", é cru e desafetivo demais.

O "ficante premium" é aquela pessoa com quem você tem intimidade, transa gostoso, assiste a uns filmes e séries, dorme de conchinha, toma café da manhã. Só que não tem as outras responsabilidades de um namoro, o que para as mulheres, em geral, significa cuidado afetivo e, para os homens, significa qualquer demanda de afeto legítima da outra parte. Pois é, como tudo, tem soluções e problemas.

Pode parecer ruim para as mulheres em relações heteronormativas, que vinham reclamando muito da dificuldade de encontrar amor. Mas, indicam as redes sociais, elas são as que mais apreciam esse tipo de relação. O cara já descobriu onde está seu grelo e te faz gozar, mas você não é obrigada a ser babá ou terapeuta dele, como costumam exigir os namorados. ATENÇÃO: se o "ficante premium" te usa como muro das lamentações, ele não está à altura do termo. Isso não significa, óbvio, que você não vá ser afetiva ou carinhosa com a pessoa, e vice-versa.

Já li por aí que "terminar relacionamento é ruim, mas difícil mesmo é terminar com 'ficante premium'", "sou fiel a ficante porque ir atrás de outros dá muito trabalho". Isso sem falar dos relatos de pessoas que preferem desmarcar um date para ver o "ficante premium" e escapar de uma potencial péssima experiência social e sexual.

Pelo lado dos homens héteros*, também há um bocado de conforto. Eles gostam de bancar os comedores do Tinder, mas esse modelo de consumo rápido e descarte imediato começou a mexer com o ego deles. Quem dá um fora ou um ghosting não sofre tanto, mas, quem toma um, amarga a dor de corno. E homem hétero* não lida bem com sofrimento. Isso sem falar que, de primeira, o sexo nem sempre encaixa.

Tá, parece massa. Mas qual o problema dessa relação? É quando um dos lados se apaixona e quer aprofundar o lance —e o outro não está no mesmo pique. Ou quando alguém quer ter família e filhos, e o outro não –querer isso pode parecer coisa de mulher, mas homens, gays ou heterossexuais, desejam isso com mais frequência que a performance de gênero pode dar a entender.

Funciona superbem para certos momentos da vida. Por exemplo, quando você passou anos em um relacionamento sério e quer ter algo mais leve. Ou quando você está focando em outras coisas e não tem tempo para a dedicação que qualquer amor razoável precisa. Namorar, definitivamente, não precisa ser um fardo, aliás, deveria ser sempre gostoso! Mas exige uma disponibilidade maior. O "ficante premium" resolve isso.

Existem regras de etiqueta do "ficante premium". Não criar falsas expectativas no outro de que algo mais profundo vai rolar, mas estar aberto a isso se a paixão acontecer. Nada de levar o "ficante" para passar festas de fim de ano e aniversários da sua família e depois meter o louco e dizer que a pessoa criou expectativas demais, né?

Usar preservativo. Não demandar demais. Precisa ser cuidado? Bem, talvez seja melhor buscar isso com amigos ou psicólogo. Mas também é importante não achar que qualquer desejo de atenção, carinho ou presença que vem do outro lado é um pedido de casamento ou uma cobrança irrazoável. Avisar com jeitinho quando não tem o desejo de continuar, seja porque encontrou outra pessoa ou porque simplesmente não quer mais. São coisas que se resolvem com uma boa conversa e honestidade com o próprio desejo. É aí que mora o perigo, porque apenas 5% das pessoas, de acordo com dados tirados do meu coração, sabem desejar.

O "ficante premium" não é nem sólido como rocha, nem líquido como cerveja, nem gasoso como monóxido de carbono. É viscoso como um milk shake. Aproveite enquanto tiver vontade.

*nem todo hétero

X de Sexo por Bruna Maia

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Bruna Maia é escritora, cartunista e jornalista. Autora dos livros 'Parece que Piorou', 'Com Todo o Meu Rancor' e 'Não Quero Ter Filhos', fala de tudo o que pode e do que não pode no sexo.