Ken vai de boboca a vilão no filme 'Barbie'
Namorado da boneca tenta instaurar o patriarcado em Barbieland
"Ela é tudo. Ele é só o Ken". O slogan que aparece nos cartazes de "Barbie" deixa claro quem é a estrela do filme e quem é apenas um coadjuvante. Também vem rendendo memes na internet, porque traduz uma verdade que toda menina conhece: no mundo da Barbie, Ken é pouco mais que um acessório.
Lançado em 1961 pela Mattel, apenas dois anos depois de sua eterna namorada, Ken jamais adquiriu personalidade própria. Ganhou inúmeras variações ao longo dos anos, mas eram pouco mais do que cosméticas. Ao contrário de Barbie, que virou médica, astronauta e presidente, Ken nunca teve sua profissão enfatizada. Era, literalmente, um homem-objeto.
Esta posição subalterna é enfatizada logo no começo do longa "Barbie", de Greta Gerwig, que entra em cartaz no Brasil nesta quinta (20). Numa interpretação hilária de Ryan Gosling, Ken sabe que precisa da atenção de Barbie para ter algo que fazer na terra encantada de Barbieland. Se ela preferir passar o dia brincando com as amigas –quase todas também Barbies, de vários estilos diferentes_ ele praticamente não existe.
E, mesmo quando eles estão juntos, o Ken do filme não passa de um bobalhão. Não tem nenhum talento especial e nem sabe o que fazer com Barbie –afinal, nenhum dos dois tem órgãos genitais.
O Ken de "Barbie" é a concretização de um temor inerente a muitos homens: ser reduzido a pouco mais que figurante num mundo onde as mulheres são protagonistas. É um medo atávico, que remonta à antiguidade. No mito grego das amazonas, os homens eram mantidos em estábulos, de onde só saíam para fins reprodutivos.
Quando Barbie resolve conhecer o mundo real, Ken vai junto. E se encanta com o que vê: descobre os cavalos, os casacos de pele para homens, o machismo. Volta correndo para Barbieland, sem sua namorada, para transformar aquele universo mágico numa sociedade patriarcal. Quando Barbie finalmente regressa, suas amigas largaram seus trabalhos, e agora estão apenas servindo os Kens.
A transformação de Ken, de boboca a vilão, é um dos eixos dramáticos de "Barbie". O filme é uma ótima comédia, com piadas a rodo e um visual deslumbrante. Mas também é um libelo feminista, que discute os papéis masculino e feminino através dos tempos. Ou seja, não é para crianças.
Barbie também passa por uma mudança interna profunda no longa. A garota desmiolada das primeiras cenas, que só pensa em se divertir, aos poucos desperta para a realidade da vida. Pensa na morte, entra em depressão, se acha feia (mesmo sendo encarnada por Margot Robbie), tem celulite. E percebe que as mulheres são oprimidas pelos homens.
Em outras palavras: Barbie amadurece e se torna o mais adulta que uma boneca de plástico consegue ser. Ken também acaba se emendando, claro. Sua macheza recém-descoberta não é páreo para a inteligência da turma de sua namorada, que inclui duas humanas –não por acaso, mãe e filha.
"Barbie" foi coproduzido pela própria Mattel. Apesar da própria fabricante da boneca ser o alvo de inúmeras farpas, é óbvio que o filme também é um longo comercial para um dos brinquedos mais conhecidos do mundo.
Mas esta é apenas uma das muitas camadas do longa. "Barbie", em meio a tanto cor-de-rosa, também carrega uma mensagem política. Defende a igualdade de gênero e o direito da mulher ser o que ela quiser. Nada de muito original, convenhamos –e mesmo assim, até hoje tem gente que não acredita nisso.
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