Aviso
Este conteúdo é para maiores de 18 anos. Se tem menos de 18 anos, é inapropriado para você. Clique aqui para continuar.

Tony Goes

Para ganhar um Oscar, atuação só não basta: é preciso ter uma narrativa

Premiação do SAG confirma o favoritismo de 'Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo'

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Num mundo ideal, não haveria prêmios de atuação. Para começar, arte dramática não é esporte: a qualidade de uma performance não é facilmente mensurável como um tempo de corrida ou um placar de gols. Fora que a única maneira de chegar a um julgamento mais ou menos justo seria se todos os candidatos a melhor ator ou atriz interpretassem o mesmo papel, sob a mesma direção.

Não é o que acontece na vida real, é claro. Os prêmios de teatro e cinema existem, antes de mais nada, porque são ferramentas de marketing: peças e filmes premiados costumam atrair mais público. E, na hora de escolher as melhores interpretações, entram em jogo diversos fatores, que vão da mera simpatia pessoal ao que hoje se convencionou chamar de "narrativa".

O termo caiu no gosto dos marqueteiros políticos e nada mais é do que contar uma história ou dar um contexto, ressaltando os pontos positivos e omitindo os negativos. As narrativas se tornaram essenciais para um candidato vencer as eleições, para uma celebridade envolvida num escândalo ser perdoada pelo público e até mesmo para um ator ganhar um Oscar.

Cena do filme Living, que concorre ao Oscar 2023 nas categorias de melhor ator (Bill Nighy, na foto) e roteiro adaptado
Bill Nighy, que concorre ao Oscar 2023 na categoria de melhor ator, em cena do filme 'Living' - Reprodução

Porque a atuação, por mais aplaudida que seja pela crítica, não basta por si mesma. Na hora de votar, os membros da Academia avaliam se aquele indicado já ganhou outras vezes, se foi injustiçado ao longo da carreira e se superou algum grande obstáculo pessoal para chegar ao ponto onde está hoje.

Entre os atores indicados ao Oscar deste ano, ninguém tem uma narrativa mais poderosa do que Brendan Fraser, indicado a ator principal. O astro de "A Baleia" irrompeu nas telas em meados da década de 1990 e logo acumulou grandes sucessos de bilheteria. Apesar de ser bonito e talentoso, Fraser se concentrou nos blockbusters, como os da franquia "A Múmia", e fez poucos dos chamados "filmes de prestígio". Além disso, engordou nos últimos anos e perdeu o ar de galã. Viu os convites escassearem e quase sumiu do mapa.

Brendan Fraser, que concorre ao Oscar de melhor ator por 'A Baleia' - Mario Anzuoni/Reuters


"A Baleia" representa para ele uma volta por cima em grande estilo. Um papel complexo, que facilmente poderia resvalar para a pieguice e a autocomiseração, mas que Fraser encara com sutileza e uma pitada de humor. Para completar, há a transformação física, obtida graças a horas de caracterização, algo que a Academia adora. Resultado: Fraser vem ganhando os principais prêmios desta temporada e dificilmente o Oscar lhe escapará das mãos no dia 17 de março.

Ke Huy Quan, o favorito da categoria melhor ator coadjuvante, tem uma narrativa semelhante. Como ator-mirim, ele participou de longas emblemáticos dos anos 1980, como "Indiana Jones e o Templo da Perdição" e "Os Goonies". Depois trabalhou regularmente em projetos menores, até abandonar a carreira no começo deste século. Simplesmente não havia papéis em Hollywood par a atores de origem asiática. Sua redenção, assim como a de Fraser, também se deu por um bom papel num filme de destaque, "Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo". Neste domingo (26), tanto Quan como Fraser ganharam o prêmio do SAG, o Sindicato dos Atores, em suas respectivas categorias –um dos termômetros mais confiáveis do Oscar.

Ke Huy Quan com o prêmio conquistado no SAG Awards - Frederic J. Brown/AFP


Entre as mulheres, as narrativas não estão tão fortes assim. A de Angela Bassett, que concorre a melhor atriz coadjuvante por "Pantera Negra: Wakanda para Sempre", parecia sólida: uma atriz respeitadíssima, negra, que teve uma única indicação ao Oscar antes da atual e que já deveria ter sido premiada faz tempo.

Mas o Sindicato dos Atores entregou seu troféu para outra atriz queridíssima, Jamie Lee Curtis, que também tem décadas de carreira e ainda menos reconhecimento que sua rival. Aí também ajudou o fato de Curtis estar no grande campeão da noite, "Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo", que ainda levou o prêmio de melhor elenco e melhor atriz principal.

Esta última categoria foi vencida por Michelle Yeoh, que enfrentava a concorrência pesadíssima de Cate Blanchett em "Tár". Só que Cate, que é uma espécie de Meryl Streep mais jovem, já ganhou dois Oscars e inúmeros outros prêmios. E Michelle, que começou a carreira estrelando filmes de kung fu, só começou a ser levada a sério de alguns anos para cá. As duas vêm dividindo os prêmios nessa temporada, e é impossível dizer qual delas prevalecerá na noite do Oscar.

Michelle Yeoh com os prêmios recebidos no SAG - Aude Guerrucci/Reuters


Enquanto isto, as campanhas continuam. Depois de triunfar nas premiações dos sindicatos dos atores, dos produtores e dos diretores, "Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo" parece estar posicionado para vencer em quase todas as 11 categorias a que está indicado. E também porque tem uma narrativa engajadora: um filme estranho, feito por cineastas até então pouco conhecidos, Daniel Kwan e Daniel Scheinert, e que se tornou um sucesso inesperado de bilheteria e crítica. Dá para resistir?

Tony Goes

Tony Goes (1960-2024) nasceu no Rio de Janeiro, mas viveu em São Paulo desde pequeno. Escreveu para várias séries de humor e programas de variedades, além de alguns longas-metragens. Ele também atualizava diariamente o blog que levava seu nome: tonygoes.com.br.

Final do conteúdo
  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Ver todos os comentários Comentar esta reportagem