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Tony Goes

Marília Mendonça foi o maior fenômeno individual da música brasileira na última década

Com sua morte precoce, cantora e compositora começa a se tornar um mito

Marilia Mendonça - Instagram/mariliamendoncacantora
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Não dá para descrever o choque diante da morte repentina de Marília Mendonça. Com apenas 26 anos e um filho de 2, ela se foi no auge da carreira –e não é exagero pensar que ela chegaria ainda mais alto.

Afinal, foram apenas seis anos de estrelato, e alguns mais como compositora. Desde a adolescência, as músicas que Marília fazia eram disputadas a tapa por grandes nomes do sertanejo.

Ela se tornou o maior fenômeno individual da música brasileira da última década, e a figura de proa de todo um movimento: o feminejo. É verdade que as mulheres já se destacavam na então chamada música caipira desde os tempos de Inhana e Inezita Barroso. Mas elas eram exceções num universo dominado pelos homens.

O feminejo mudou o jogo. Vozes como as de Naiara Azevedo ou as da dupla Maiara e Maraísa cantam não só o amor de um ponto de vista feminino, mas também o prazer. São mulheres que bebem, que gostam de se divertir, que se arrumam todas para curtir uma "noite de patroa". Também são mulheres que transam, e que não têm problema algum em admitir isso.

Marília Mendonça era uma espécie de rainha dessa turma, não só pelo sucesso estrondoso como também por seu enorme talento. Suas canções, falassem elas de amores duradouros ou paixões fugazes, ecoavam pelo Brasil afora.

As letras, quase todas escritas na primeira pessoa, não chegavam a ser poesia, e às vezes pareciam longas demais para caber nas melodias. Mas eram simples, diretas e de efeito imediato. Marília conseguia traduzir em palavras não só o que ela mesma vivia, mas também o que sentiam milhões de brasileiros.

Ela inovou também no visual. Cheinha, quase sempre um pouco acima do peso tido como ideal, ela não se encaixava nos padrões da indústria da moda, mas tinha uma silhueta semelhante às de muitas de suas fãs. Avessa a estrelismos, continuava sendo "gente como a gente", mesmo tendo se tornado milionária em tão pouco tempo.

Seu desaparecimento precoce lembra o de tantos outros nomes da música que pereceram em acidentes aéreos: Gabriel Diniz, há pouco mais de dois anos; a estrela da country music Patsy Cline, em 1963; Buddy Holly, Ritchie Valens e The Big Bopper, astros do rock’n’roll que excursionavam juntos, em 1959; Glenn Miller, o maior bandleader da era do swing, em 1944; e Carlos Gardel, a lenda do tango, em 1935. Todos eles viajavam a trabalho.

O acidente que matou Marília Mendonça levanta uma outra questão: a agenda insana que muitos cantores sertanejos cumprem. Foi no caminho de um show para outro que Cristiano Araújo morreu em 2015, num desastre de carro. Tantos outros nomes tiveram destinos parecidos que cabe questionar se não valeria a pena diminuir o ritmo.

E aí, esses cantores viveriam do quê?, alguém pode perguntar. De fato, com o virtual desaparecimento dos CDs e DVDs e o advento do streaming, as maiores fontes de renda de quem vive da música são hoje as apresentações ao vivo. Impossível convencer esses artistas a fazerem menos shows, ainda mais num momento de retomada pós-pandemia.

Marília Mendonça já havia ultrapassado as fronteiras do sertanejo. Três anos atrás, gravou duas faixas com Gal Costa, e vinha sendo reconhecida pelos grandes medalhões da MPB como um de seus pares.

Ela já ocupava um lugar de destaque no panteão da nossa música. Com sua morte, ainda tão jovem e com tanto por fazer, começa a nascer o mito.

Tony Goes

Tony Goes (1960-2024) nasceu no Rio de Janeiro, mas viveu em São Paulo desde pequeno. Escreveu para várias séries de humor e programas de variedades, além de alguns longas-metragens. Ele também atualizava diariamente o blog que levava seu nome: tonygoes.com.br.

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