Um longa falado em inglês deveria poder concorrer ao Oscar de filme internacional?
Desclassificação do candidato da Nigéria gera protestos e discussões
Durante décadas, a Academia de Hollywood foi muito criticada por causa do Oscar de melhor filme em língua estrangeira. Os indicados não refletiriam a qualidade do cinema mundial; os vencedores costumavam ser dramas de época, sem relevância para os dias atuais; filmes sobre o Holocausto sempre tinham preferência.
Em 2003, o brasileiro "Cidade de Deus" –apontado como um dos favoritos da categoria– não ficou entre os cinco finalistas. A gritaria foi tão grande que a Academia decidiu resolvê-la de duas maneiras. A primeira foi indicar o filme de Fernando Meirelles em quatro categorias no ano seguinte, inclusive na de melhor diretor.
A segunda teve consequências mais profundas. A Academia passou a divulgar, no mês de dezembro, um shortlist com nove pré indicados. Seis deles, selecionados pelos acadêmicos que viram pelo menos boa parte dos longas inscritos; os outros três, escolhidos por um pequeno comitê. Dessa forma, filmes de grande prestígio correriam menos risco de serem excluídos.
Deu certo. As polêmicas cessaram, ao ponto de, entre os nove semifinalistas do ano passado, não haver um único título que, segundo a crítica, não mereceria estar ali. Neste ano, a categoria passou por mais uma pequena reforma. Mudou de nome: agora, em vez de melhor filme em língua estrangeira, ela se chama melhor filme internacional. E os semifinalistas serão dez –mais de 10% do total de concorrentes, que neste ano chegou a 92.
A Academia gosta de praticar a inclusão. Ela permite que cada país inscreva apenas um filme (e já são quase uma centena, mais do que isso, o julgamento seria inviável). Mas aceita inscrições de nações com as quais os Estados Unidos não têm relações diplomáticas, como o Irã, ou de estados pouco reconhecidos internacionalmente, como a Palestina.
Só que nem isso blindou a categoria de controvérsias. Uma nova estourou nesta semana: o filme “Lionheart”, o primeiro inscrito pela Nigéria, foi desclassificado pela Academia. O motivo? É todo falado em inglês.
As reclamações não demoraram. A cineasta Ava Du Vernay (“Uma Dobra no Tempo”), tuitou que o idioma oficial da Nigéria é o inglês, uma herança da colonização. Além do mais, o país tem uma das maiores indústrias cinematográficas do mundo, apelidada de “Nollywood”. É justo ser ignorado pelo Oscar?
Os contra-argumentos tampouco tardaram. É verdade que a categoria mudou de nome e chamá-la de melhor filme internacional pressupõe que basta os candidatos não serem produções americanas. Mas a regra básica não foi alterada: os diálogos precisam ser, em sua maioria, em um idioma diferente do inglês.
Antigamente a Academia exigia que fossem em uma língua oficial do país que inscrevia o filme. Até isso mudou, o que permitiu que a França já tenha competido com um longa falado em turco, o Canadá, com um falado em hindi, e que a Áustria ganhasse com um falado em francês (“Amour”, de Michael Haeneke, em 2013).
Se forem aceitos os filmes falados em inglês, isso dará uma vantagem desproporcional a países como o Reino Unido, a Austrália e a Nova Zelândia. É fácil imaginar a categoria de melhor filme internacional dominada por títulos como “O Senhor dos Anéis” e “Downton Abbey”.
Alguns internautas sugerem uma solução caso a caso. Países periféricos como a Nigéria abririam uma exceção na regra. Outros alegam que a exclusão de “Lionheart” só é polêmica porque foi dirigido por uma mulher negra, Genevieve Nnaji (também a estrela do filme).
Escaldada por acusações de elitismo e até racismo, a Academia de Hollywood deve estar incomodada. É bastante provável que, nos próximos anos, novas regras busquem aperfeiçoar o processo de seleção.
Enquanto isto, dá para conferir se “Lionheart” teria alguma chance: o filme já está disponível na Netflix.
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