É imperdoável que o racismo sofrido por Sabrina ainda aconteça em 2019
Cameraman de A Fazenda foi demitido depois da denúncia da participante
Segundo o IBGE, cerca de 54% da população brasileira é negra (incluindo aí os pretos e os pardos). No entanto, mesmo sendo maioria numérica, na prática os negros são uma minoria política. São pouco representados nas esferas do poder, nas universidades e até na televisão. Um estrangeiro que só conhecesse o Brasil através das novelas acreditaria que, por aqui, somos quase todos brancos.
Mesmo assim, temos a ilusão de que somos uma democracia racial. Até pouco tempo atrás, o Brasil era apontado como um paraíso se comparado com os EUA –onde leis segregacionistas vigoraram em muitos estados– ou a África do Sul– o país do apartheid, um dos maiores horrores do século 20.
A ausência de uma legislação assumidamente racista nos confortava. Acontece que o racismo no Brasil raramente é escancarado. Ele é estrutural: percorre a sociedade de cima a baixo. E sorrateiro: ataca de mansinho, para que a maioria dos brancos não sinta muitas dores na consciência.
Se você for branco, pergunte a um negro quando foi a última vez que ele foi alvo de racismo. É muito provável que a resposta seja “hoje”. Ele pode ter sido seguido por um segurança de shopping. Ou demorado a ser atendido em uma loja. Ou escutado um comentário pejorativo de alguém que ele nem conhecia.
Foi o que aconteceu com a modelo e ex-miss São Paulo 2016 Sabrina Paiva, uma das concorrentes da 11ª edição do reality A Fazenda (Record). Na noite desta terça (5), Sabrina revelou ter ouvido alguém dizer “senta aí, macaco”, seguido por um palavrão. As ofensas foram ditas por alguém do outro lado do vidro espelhado da cozinha da sede, no espaço onde ficam câmeras e técnicos.
Em outros tempos, talvez não acontecesse mais nada depois da denúncia. As emissoras costumavam relutar muito em interferir no andamento de seus reality shows. Mas incidentes envolvendo abuso sexual, tanto no BBB como em A Fazenda, deixaram tanto a Globo como a Record mais ágeis e atentas.
Nos últimos anos, também houve casos de enorme repercussão, como os de José Mayer (acusado de assédio por uma funcionária) e William Waack (flagrado em vídeo fazendo uma piada racista antes de entrar no ar). Ambos foram afastados da Globo.
Tudo isso deve ter contribuído para a pronta resposta da Record. Na manhã desta quarta (6), a emissora enviou um e-mail a jornalistas avisando que havia identificado o autor das ofensas racistas: um operador de câmera da Teleimage, responsável pela produção de A Fazenda, que foi repreendido e demitido sumariamente.
A Record também informou o fato à própria Sabrina Paiva, que se recolheu em um quarto para chorar. Na edição desta quarta do programa, o apresentador Marcos Mion fará uma declaração oficial sobre o assunto.
É inacreditável e imperdoável que alguém ainda se refira a outro ser humano como “macaco” em pleno ano da graça de 2019. Até porque os casos de racismo vêm sendo punidos com rigor crescente no Brasil: se fossem espertos, os racistas deveriam tomar cuidado. Mas claro que eles não são, não é mesmo?
Ainda vai levar muito tempo para o Brasil ser de fato a democracia racial que finge que é. Ataques como o sofrido por Sabrina Paiva ainda vão acontecer, infelizmente. Mas as reações estão cada vez mais rápidas, e implacáveis. São passos na direção certa, embora o caminho pela frente continue longo.
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