Ataques a Karol Conka são equivocados, mas têm justificativa histórica
Cantora foi criticada nas redes sociais por foto ao lado do namorado branco
O quadro “A Redenção de Cam” foi pintado por Modesto Brocos (1852-1936), um artista espanhol radicado no Brasil, em 1895, sete anos depois da abolição da escravatura. Hoje integrante do acervo do Museu Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro, a tela mostra uma senhora negra agradecendo aos céus pelo netinho branco, que aparece no colo de sua filha mestiça.
Essa imagem chocante para os dias atuais arrancou elogios à época, e serviu de ilustração para a Teoria do Branqueamento. Apresentada pelo antropólogo João Baptista de Lacerda em 1911, a tese defendia o embranquecimento gradual da sociedade brasileira, através de casamentos inter-raciais. O objetivo declarado era eliminar a raça negra, tida como inferior à branca.
Não é preciso conhecer nada disso para saber que, mais de um século depois, essa ideia sobrevive no Brasil, um país que disfarça seu racismo atrás de um véu de cordialidade. Expressões terríveis como “preto de alma branca” foram banidas do vocabulário corrente, mas, volta e meia, teimam em reaparecer.
A Teoria do Branqueamento não fincou pé nos Estados Unidos, porque a miscigenação racial sempre foi menor por lá do que no Brasil. Ao invés dos casamentos inter-raciais, os racistas norte-americanos defendem até hoje que os negros sejam deportados para a África ou mesmo eliminados fisicamente.
Mas esses casamentos ficaram mais comuns nos EUA nas duas últimas décadas. Talvez por isso mesmo, radicais do movimento negro norte-americano passaram a criticar violentamente qualquer negro que se relacione com alguém de outra raça.
A tendência foi encampada por alguns ativistas brasileiros e surgiu por aqui o termo “palmiteiro”, de teor pejorativo. Foi disso que xingaram Karol Conka, que postou em seu perfil no Instagram uma foto ao lado do namorado, o guitarrista Thiago Barromeo.
Karol é negra e Thiago é branco. Isto bastou para alguns internautas se acharem no direito de interferir na vida pessoal da cantora. Como ativista negra, ela não teria o “direito” de trair a causa com esse namoro.
No programa “Encontro com Fátima Bernardes” (Globo) desta quinta (14), Karol se defendeu das acusações. "Eu entendo a frustração de muitas pessoas que foram ali comentar, mas eu acho que elas também precisam entender que essa é uma foto que mostra uma história de amor”, disse a cantora. “Não é uma foto que mostrando um fetiche sexual. Não é um branco ficando com uma negra porque ela é boa de cama ou gostosona.”
Karol ainda declara que, no seu entender, o ativismo negro não pode pregar a segregação entre as raças. Até porque ele seria impossível: negros e brancos estão convivendo cada vez mais em todas as esferas, e namoros e casamentos são simplesmente inevitáveis.
É um erro criticar qualquer pessoa por suas escolhas românticas e preferências sexuais. Mas a reação negativa a Karol Conka tem raízes históricas profundas, que geraram uma gigantesca injustiça social.
Como reza o clichê, estamos todos no mesmo barco, gostemos ou não. É importante conhecer o passado, para não reproduzi-lo no presente. E construir um futuro onde conceitos como “raça” e “cor” não queiram dizer mais nada.
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