Tony Goes

Por que a série 'You' fracassou na TV mas faz sucesso no streaming?

História do serial killer apaixonado só encontrou seu público na Netflix

"You"
"You" - Netflix/Divulgação
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Em setembro de 2018, a série “You” (na versão brasileira, "Você") estreou na TV americana, no canal pago Lifetime. As credenciais do programa eram ótimas: baseado em um best-seller da autora Caroline Kepnes e produzido por Greg Berlanti, responsável por sucessos como “Arrow” e “Riverdale”. Além disso, as críticas foram francamente favoráveis.

E, no entanto, “You” foi muito mal de audiência. A história do rapaz tão obcecado por uma moça que é capaz de matar quem se interpõe entre os dois não seduziu o público do Lifetime. Apenas 650 mil espectadores assistiam a cada episódio semanal, o que é pouco para o padrão americano.

No começo de dezembro, o canal anunciou que não produziria uma segunda temporada de “You”. Algumas semanas depois, o seriado estreou na Netflix. E aí, aconteceu uma coisa estranha: em poucos dias, “ You ” se tornou um fenômeno em escala planetária.

A Netflix divulgou que cerca de 40 milhões de seus assinantes assistiram a pelo menos 70% de um episódio da série, o que a qualificaria como um grande sucesso. A plataforma não apresentou números mais específicos do que estes, mas já deu o sinal verde para uma segunda temporada.

Não é a primeira vez que um programa da TV paga vê seu alcance se multiplicar depois que entra na Netflix. O exemplo clássico é “Breaking Bad”. Lançada em 2008 pelo canal AMC, a saga de Walter White acumulou prêmios e elogios em seus primeiros anos, mas só virou febre depois de 2012, quando foi disponibilizada pela gigante do streaming.

Só que “Breaking Bad” estava longe de ser um fracasso. “You”, pelo contrário, já estaria na lata do lixo se não fosse pela Netflix. Como se explica isto?

Talvez tenha sido uma falha do marketing. A Netflix promoveu “You” com mais afinco do que o Lifetime. Ou vai ver que foi a época do lançamento. Setembro é um estouro da boiada na TV americana: o começo de um novo ano na TV, com centenas de novas atrações disputando o olho do espectador. É muito fácil para uma série sem grandes estrelas nem efeitos especiais se perder no bolo.

Já no fim do ano (“You” estreou na Netflix no dia 28 de dezembro) muita gente está de férias, sem ter muito o que fazer e à procura de uma série para maratonar.

Tudo isto faz sentido, mas acho que há algo mais. Este algo é simplesmente a derrocada da TV paga tal como a conhecemos. Cada vez menos gente assina os pacotes extorsivos oferecidos pelas operadoras, que cobram caríssimo e trazem dezenas de canais sem interesse. Isto é especialmente verdadeiro entre o público mais jovem, que se habituou a baixar séries da internet e adora a mobilidade oferecida pelas plataformas de streaming.

Greg Berlanti diz que é justamente com essa garotada que a trama de “You” ressoa mais. O sujeito que mergulha nas redes sociais de sua amada, para descobrir os menores detalhes sobre ela e seus amigos, é um tipo que muitos conhecem na vida real.

Essa verossimilhança faz com que vários absurdos do roteiro sejam relevados. O protagonista Joe (Penn Dagley) tem uma câmara frigorífica com paredes de vidro no subsolo se sua livraria, supostamente para preservar volumes raros – mas também muito útil para manter suas vítimas em cárcere privado. 

Já sua musa Beck (Elizabeth Lail) mora num apartamento térreo com imensas janelas que dão para a rua, e ela não tem o menor pudor em transar ou mesmo se masturbar à vista dos transeuntes. Isto facilita em muito a bisbilhotice de Joe.

Ainda assim, “You” é divertida de se acompanhar. Um prazer culpado, que não encontrou espaço na decadente TV paga, mas feita sob medida para a “geração Tinder” – que também pode ser chamada de Netflix.

Tony Goes

Tony Goes (1960-2024) nasceu no Rio de Janeiro, mas viveu em São Paulo desde pequeno. Escreveu para várias séries de humor e programas de variedades, além de alguns longas-metragens. Ele também atualizava diariamente o blog que levava seu nome: tonygoes.com.br.

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