'O Método Kominsky' explora a dor e a delícia da terceira idade
Nova série da Netflix é estrelada pelos veteranos Michael Douglas e Alan Arkin
Durante muito tempo, a velhice foi deixada em segundo plano na televisão. Personagens idosos nunca foram raros em novelas ou séries, mas quase sempre eram coadjuvantes. Assim como na propaganda, o final da vida costumava ser solenemente ignorado pela teledramaturgia.
Isso mudou de uns tempos para cá. As razões são inúmeras. Uma delas é o aumento da qualidade de vida na terceira idade: vive-se mais e melhor do que há apenas duas décadas. Uma pessoa com mais de 70 anos agora tem um mundo de possibilidades diante de si, graças ao avanço da medicina e da própria evolução dos costumes.
Além disso, a expansão dos serviços de streaming fez com se abrisse o leque de histórias a serem contadas na TV. Surgiu uma demanda quase insaciável por novidades.
Para completar, hoje também temos toda uma geração de atores consagrados que chegaram aos chamados “anos dourados” ainda cheios de poder e prestígio. E fazer televisão – algo que era considerado degradante para uma estrela de cinema até pouco tempo atrás – perdeu o antigo estigma. O resultado é que veteranas como Meryl Streep ou Sissy Spacek podem trabalhar na TV sem que ninguém diga que estejam em final de carreira.
Também já existem séries protagonizadas por velhinhos. Se é que se pode chamar assim a enxutérrima Jane Fonda, que, aos 80, esbanja vitalidade ao lado de Lily Tomlin (79) na sitcom “Grace & Frankie” (Netflix), já na quarta temporada. As duas fazem mulheres de temperamentos opostos que se aproximam por um golpe do destino: seus maridos, sócios em um escritório de advocacia, deixam-nas para viverem juntos, consumando uma longa paixão homossexual.
“Grace & Frankie” começou muito bem, mas vem perdendo o gás na nova safra. E foi ultrapassada por uma série que acabou de estrear: “O Método Kominsky”, estrelada por Michael Douglas e Alan Arkin, ambos vencedores do Oscar.
“O Método Kominsky” é uma criação de Chuck Lorre, um dos mais prolíficos “showrunners” da atualidade. Seu currículo inclui sucessos como “Two and a Half Men” e “The Big Bang Theory”, gravadas diante de plateias e com protagonistas jovens. Com o novo trabalho, Lorre sai de sua zona de conforto: “Kominsky” é filmada no estilo “single camera” (uma câmera só), sem público. E o tema são as agruras e os prazeres da terceira idade.
Michael Douglas faz Sandy Kominsky, um ator que foi muito badalado na juventude, mas que agora sobrevive como professor de atuação. Alan Arkin faz seu agente e amigo Norman Newlander, cujas tiradas ácidas ajudam a aliviar um drama pessoal: logo no primeiro episódio, ele perde a esposa, com quem estava casado há 46 anos. Mais adiante, reaparece sua complicada filha Phoebe (Lisa Edelstein), uma habitué das clínicas de reabilitação.
Sandy também tem problemas sérios, como a falta de dinheiro ou a solidão crônica. Sem falar na decadência física que acomete os dois amigos, já bem entrados em anos. E, no entanto, ninguém perde o bom humor. Provocações, tirações de sarro e até discussões violentas impedem que a série descambe para o sentimentalismo banal.
“O Método Kominsky” é muito bem escrita, e ainda traz nomes do calibre de Danny De Vito ou Ann-Margret em participações especiais. Em apenas oito episódios, com pouco de mais de 20 minutos cada, o programa deixa o espectador querendo ver mais da amizade entre esses dois senhores – uma relação tão ou mais profunda do que um amor romântico. Já entrou para a lista dos melhores lançamentos do ano.
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