Obrigação de ser líder em audiência trava a criatividade na Globo
Novelas repetem tramas na tentativa de agradar o público
Humilhada e derrotada, a mocinha sai de cena. Depois de um tempo em baixa, ela faz um retorno triunfal e dá o troco à vilã. De que novela estamos falando?
De “Segundo Sol”, é claro. Acusada de um crime que não cometeu, Luzia (Giovanna Antonelli) precisou fugir do país. Em breve irá se vingar de Karola (Deborah Secco) e Laureta (Adriana Esteves). Mas também poderia ser de “O Outro Lado do Paraíso”. Ou “Avenida Brasil”. Ou “Senhora do Destino”, e por aí vai.
Claro que a trama de vingança não é a única que reaparece com frequência nas novelas da Globo. Até o casal homossexual que luta para vencer o preconceito já está se tornando um clichê.
Nesta quarta (12), o beijo entre pessoas do mesmo sexo fez sua estreia na faixa das 18h, na novela "Orgulho e Paixão": Luccino (Juliano Laham) e Otávio (Pedro Henrique Müller) finalmente sucumbiram à atração que sentem um pelo outro. É mais um tabu que cai por terra. Mas, quando até “Malhação” já exibiu um beijo gay, não chega a ser uma revolução.
As novelas brasileiras são como um transatlântico, ou como a Igreja Católica: as mudanças de rumo se fazem aos poucos, sem movimentos abruptos. Qualquer ousadia pode espantar o espectador cativo do gênero, como já aconteceu diversas vezes.
E assim, a Globo se vê prisioneira do próprio sucesso. A emissora não trabalha com nichos do mercado: seu público-alvo é todo mundo, de todas as idades, sexos e classes sociais. Ela se deu a missão de ser a número 1 em audiência em todos os horários. E vem cumprindo esse objetivo quase que perfeitamente, há mais de 40 anos.
Mas, agora, não só a Globo como toda a TV aberta se vê em uma encruzilhada: como fazer frente à ascensão do streaming? Serviços como a Netflix oferecem produtos variadíssimos, que podem ser consumidos a qualquer hora do dia. O usuário monta sua própria grade. E não há intervalos comerciais.
Sim, a Netflix se preocupa com audiência (mas não divulga números). Séries que não caem no gosto popular não ganham novas temporadas. Mas nenhuma delas tem a obrigação de ser a mais vista em sua faixa horária, até porque o modelo de negócios da plataforma é outro.
Isto faz com que o cardápio da Netflix seja extremamente variado. Tem terror, comédias adolescentes, dramas de época, reality shows, documentários, lutas marciais, receitas com maconha. Nenhum outro canal, aberto ou fechado, disponibiliza tamanha variedade de opções.
A Globo está correndo atrás. O investimento em sua própria plataforma, a Globoplay, já começa a ser visível, com séries exclusivas e temáticas pouco usuais.
Mas, no horário nobre, o canal sofre para inovar. E acaba recorrendo aos autores veteranos e suas tramas repletas de filhos bastardos, vinganças e amores impossíveis.
Aliás, por que tanta ênfase no amor? Os programas de maior sucesso do planeta, como “Game of Thrones” (HBO) ou mesmo a franquia “CSI”, não têm o amor na linha de frente. Nem na teledramaturgia dos nossos vizinhos da América Latina as histórias românticas ainda são tão predominantes como por aqui.
O problema é que o público das novelas é conservador. Não dá para assustá-lo com novidades radicais. Só que ele está envelhecendo, e em breve deixará de ser maioria.
A Globo está se preparando para esta mudança. Mas sua velocidade de transatlântico talvez não seja suficiente.
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