Tony Goes

Beatriz Segall levou anos para se reconciliar com Odete Roitman

Atriz se incomodava por ser lembrada por uma única personagem

Beatriz Segall durante ensaio da peça "Lilian", no Teatro Cultura Artística
Beatriz Segall durante ensaio da peça "Lilian", no Teatro Cultura Artística - Monica Vendramini/Folhapress
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Tony Goes
São Paulo

Quem foi a maior vilã das telenovelas brasileiras? Até quem tem menos de 30 anos talvez responda: Odete Roitman, a milionária sem caráter de “Vale Tudo”. Exibida pela Globo em 1988, a trama de Gilberto Braga e Aguinaldo Silva está sendo reprisada pela terceira vez, no canal Viva. Novas gerações estão conhecendo a personagem, que infelizmente se mantém atual.

Beatriz Segall, que morreu aos 92 anos nesta quarta (5), será lembrada para sempre pelo papel. Desempenhou-o tão bem que acabou sendo confundida com ele: sua imagem ficou tão ligada à de Odete que nunca mais a TV lhe deu uma grande oportunidade. Nas últimas três décadas, suas aparições na telinha foram esporádicas e pouco marcantes.

Um desperdício e tanto, pois Beatriz Segall era uma atriz de enormes recursos. Criada no palco, sem medo de se expor, e dona de uma sólida formação. Fez parte de uma geração que tirou o estigma do teatro, que até meados do século passado era visto como uma ocupação pouco diferente da prostituição.

Como Tônia Carrero, era uma “moça de família”, nascida na classe média alta. Teve que ir contra os desígnios paternos para seguir a carreira artística, que chegou a abandonar durante alguns anos para cuidar dos filhos pequenos.

Era dona de uma elegância natural, confundida frequentemente com porte aristocrático – que, no entanto, desaparecia quando o papel assim o pedia. Como em seu último trabalho para a televisão, um episódio da minissérie “Os Experientes” (2015), em que interpretou uma senhora que presencia um assalto a um banco.

Ressentia-se de nunca ter tido um contrato de longa duração com a Globo. Era chamada pela emissora apenas por obra certa, o que não deixa de ser curioso para uma atriz de sua envergadura.

Durante muito tempo, se incomodou com a sombra de Odete Roitman. Nunca mais encarou outra vilã. Mas, no fim da vida, fez as pazes com a personagem. Em uma entrevista ao Vídeo Show (Globo), em 2014, não escondeu o orgulho de ter participado de “Vale Tudo” – segundo ela, “a melhor novela brasileira de todos os tempos”. Muita gente concorda.

Odete continua reinando na internet, imortalizada por memes e gifs. Virou o símbolo da elite predatória, que não enxerga nada além dos próprios interesses. Mas Beatriz Segall era muito maior, e merece ser lembrada por uma enorme variedade de papéis – da poeta americana Emily Dickinson, que encarnou no monólogo “Emily”, a uma das “Três Mulheres Altas”, peça que protagonizou ao lado de Nathalia Timberg e Marisa Orth.

Sim, a TV poderia tê-la aproveitado melhor. Por outro lado, quantas atrizes tiveram a sorte de encontrar uma personagem que se tornaria um ícone da nossa cultura?

Tony Goes

Tony Goes (1960-2024) nasceu no Rio de Janeiro, mas viveu em São Paulo desde pequeno. Escreveu para várias séries de humor e programas de variedades, além de alguns longas-metragens. Ele também atualizava diariamente o blog que levava seu nome: tonygoes.com.br.

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