Tony Goes

'A Casa das Flores' tempera os clichês das novelas com doses de humor negro

Sucesso na América Latina, série mexicana da Netflix já atrai atenção no Brasil

Nesta série cômica mexicana, uma família aristocrata tenta manter a pose depois que segredos íntimos são revelados
Nesta série cômica mexicana, uma família aristocrata tenta manter a pose depois que segredos íntimos são revelados - Divulgação
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Ainda mais do que as brasileiras, as novelas mexicanas sempre tiveram um lado ridículo. As mocinhas são sempre sofredoras, as vilãs são implacáveis e os finais felizes, inevitáveis.
 
Mas, ainda mais do que por aqui, a repetição de fórmulas desgastou o gênero. A TV Azteca, a segunda maior rede mexicana, diminuiu a duração de suas novelas – agora elas têm em média 80 episódios, como as “superséries” que a Globo exibe na faixa das 23h. E já faz algum tempo que a gigantesca Televisa não emplaca um grande sucesso internacional.
 
Mas a teledramaturgia mexicana continua a todo vapor. Prova disso são as produções originais que a Netflix tem feito no país, como a série cômica “Club de Cuervos” ou o drama político “Ingobernable”.
 
Nenhuma dessas atrações causou muito barulho no Brasil. Mas isto está mudando com “A Casa das Flores”, cuja primeira temporada estreou em agosto na plataforma. A série não é exatamente uma sátira às telenovelas, pois conserva muitos dos ingredientes habituais do gênero: segredos, traições, filhos bastardos. Está mais para uma novela concentrada. Em apenas 13 episódios, os clichês são acentuados, temperados com uma boa dose de humor negro.
 
A casa das flores do título é uma sofisticada floricultura, base da fortuna da família De La Mora. O exagero já começa por aí: onde já se viu alguém ficar milionário vendendo flores, em apenas uma loja?

 
E o primeiro episódio tem algo de “Desperate Housewives”: uma mulher se enforca antes mesmo dos créditos de abertura. Trata-se de Roberta (Claudette Maillé), a amante do patriarca da família, e empregada de confiança da floricultura. Como na série americana, ela também reaparecerá ao longo da temporada, narrando alguns episódios.
 
Seu suicídio precipita uma série de eventos calamitosos para o clã. O pai, Ernesto (Arturo Ríos), vai para a cadeia, acusado de fraude. Julián, o caçula (Darío Yazbek Bernal, que é meio-irmão de Gael García Bernal por parte de mãe), tem sua bissexualidade exposta a todo o país por causa de um vídeo viral. Elena (Aislinn Derbez) hesita entre o noivo americano e o filho da amante do pai, que é stripper na boate que herdou da mãe – e que também se chama A Casa das Flores, como a floricultura.
 
Pairando sobre todos está a mãe, Virginia, feita por ninguém menos do que Verónica Castro – talvez a mais emblemática estrela da TV mexicana de todos os tempos, conhecida no Brasil por protagonizar “Os Ricos Também Choram” (reprisada algumas vezes pelo SBT) e por ser mãe do cantor Cristian Castro. Longe das telas há quase uma década, Verónica aceitou o papel na série porque, entre outras coisas, a matriarca dos De La Mora não só fuma maconha como vende a erva por baixo do balcão de sua floricultura.
 
E no meio do furacão está Paulina, a filha mais velha, que busca resolver todos os problemas da família e manter um mínimo de sanidade. A um certo custo, é verdade: a moça fala tudo pau-sa-da-men-te, quase sem expressão. Efeito, segundo alguns, dos remédios contra a ansiedade que toma (e que nunca são vistos ou citados no programa).
 
Paulina também seus próprios conflitos: seu ex-marido, José María (o ator e diretor espanhol Paco León), agora é María José. Seu retorno, no meio da temporada, dá um sabor ainda mais LGBT à série.
 
Sem pudor de parecer excessiva e com uma nítida influência dos filmes de Pedro Almodóvar, “A Casa das Flores” foi um sucesso instantâneo na América Latina e já está começando a ser bastante comentada também por aqui.
 
Talvez seja mesmo a novela ideal: rápida, contundente, às vezes emocionante, quase sempre divertida. Fica a dica para os autores nacionais.

Tony Goes

Tony Goes (1960-2024) nasceu no Rio de Janeiro, mas viveu em São Paulo desde pequeno. Escreveu para várias séries de humor e programas de variedades, além de alguns longas-metragens. Ele também atualizava diariamente o blog que levava seu nome: tonygoes.com.br.

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