Tony Goes

A lenta saída do armário de Kevin Spacey e seu desfecho desastroso

O ator Kevin Spacey, protagonista da série "House of Cards", foi acusado de assediar sexualmente o artor Anthony Rapp. Em resposta, Spacey disse que não se lembrava da situação escrevendo, em seguida, sobre sua sexualidade.
O ator Kevin Spacey, protagonista da série "House of Cards", foi acusado de assediar sexualmente o artor Anthony Rapp. Em resposta, Spacey disse que não se lembrava da situação escrevendo, em seguida, sobre sua sexualidade. - Nicholas Kamm/ AFP Photo
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Kevin Spacey finalmente se assumiu homossexual na última segunda-feira (30), naquela que muita gente vêm chamando de a pior saída de armário de todos os tempos.

Afinal, o ator é famoso há 30 anos, e sempre conviveu com rumores sobre sua sexualidade. Mas só foi confirmá-los depois ter sido acusado de assédio por Anthony Rapp (o Paul Stamets da série "Star Trek: Discovery"), quando este último tinha apenas 14 anos de idade.

Acredito que Spacey tenha reagido da maneira correta: pediu desculpas por um ato do qual sequer se lembra, e ainda admitiu (em sua próprias palavras) que escolheu viver como um homem gay.

Só que a emenda saiu pior do que o soneto. Spacey agora vem sendo acusado não apenas de pedófilo, mas também de igualar homossexualidade com pedofilia - ou seja, de fornecer munição aos homofóbicos.

Ele também vem sendo xingado de covarde nas redes sociais, por ter demorado tanto tempo para confirmar ser gay. No entanto, como bem lembrou Cristina Padiglione em uma coluna no blog Telepadi, ainda não é fácil para ator nenhum sair do armário, principalmente os do sexo masculino.

Spacey talvez pudesse ter saído antes, pois jamais teve pinta de galã romântico. A maioria de seus personagens no cinema e na TV teve um caráter dúbio, inclusive quanto à vida sexual.

Seu primeiro papel de sucesso foi o chefão do crime Mel Profitt, da série "O Homem da Máfia" (1987): um sujeito violento, instável, que mantinha uma relação incestuosa com a própria irmã.

Seguiram-se muitos outros com traços semelhantes, que aos poucos foram criando uma persona cinematográfica. Essa persona serviu para dar vida ao misterioso Verbal de "Os Suspeitos"(que lhe valeu o Oscar de ator coadjuvante em 1995), o maligno John Doe de Seven - os Sete Pecados Capitais (1995), o corrupto Jack Vincennes de Los Angeles: Cidade Proibida (1997), o milionário gay Jim Williams de Meia-Noite no Jardim do Bem e do Mal (1997) e o mentiroso Lester Burnham de Beleza Americana (1999), que lhe rendeu o Oscar de melhor ator.

Nos últimos anos, Spacey vinha encarnando seu mais icônico personagem, que reúne e acentua as características dos anteriores: Frank Underwood, na série House of Cards (Netflix) - um político tão inescrupuloso que é capaz até de assassinato para chegar à presidência dos Estados Unidos. Além do mais, Underwood é bissexual: na segunda temporada, teve um caso a três com sua esposa (Robin Wright) e um de seus guarda-costas.

Essa preferência por figuras sombrias, complexas, com sexualidade pouco convencional, levantam a suspeita de que Spacey estava se revelando nas telas para não ter que fazê-lo na vida real.

Ele chegou até a brincar com o assunto. Na entrega dos últimos prêmios Tony, de teatro, Spacey foi o anfitrião da cerimônia. No número de abertura, fantasiado de Norma Desmond (do musical "Sunset Boulevard"), cantou em certo momento que ainda não era a hora de sair do armário.

A hora chegou, mas não como ele queria. Sua carreira está desmoronando: as gravações da última temporada de House of Cards foram suspensas, o prêmio Emmy Internacional cancelou uma homenagem que ele receberia e até o filme "Gore"- que Spacey roda no momento, interpretando o escritor gay Gore Vidal - corre o risco de não ser concluído.

Sem ninguém que o defenda, com novas acusações de assédio surgindo a todo momento e vendo a imagem pela qual tanto zelou ao longo das décadas sendo destruída em poucos dias, Kevin Spacey parece ter se tornado um de seus próprios personagens. Dúbio, ardiloso, esquivo, falso - e com final trágico.

Tony Goes

Tony Goes (1960-2024) nasceu no Rio de Janeiro, mas viveu em São Paulo desde pequeno. Escreveu para várias séries de humor e programas de variedades, além de alguns longas-metragens. Ele também atualizava diariamente o blog que levava seu nome: tonygoes.com.br.

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