Um vilão como o Gibson de 'A Regra do Jogo' é quem a gente quer que ele seja
Em sua reta final, “A Regra do Jogo” (Globo) está se transformando na novela grandiosa que poderia ter sido desde o início. A trama de João Emanuel Carneiro deslanchou mal, com o público rejeitando a ambiguidade de seus personagens centrais. Agora, sem a concorrência de “Os Dez Mandamentos” (Record) e com seus principais conflitos escancarados, o folhetim vem alcançando bons números no Ibope e rendendo cenas antológicas.
Quase todos esses bons momentos foram centrados em Gibson (José de Abreu, magistral), o “pai” da Facção, a organização criminosa que é uma mistura de milícia achacadora com exército interventor. Inspirada por um enviesado desejo de justiça, a quadrilha logo se transmutou no mesmo mal que buscava combater.
Lembra alguma coisa da vida real? Claro que lembra, e muitas. Esta é uma das grandes qualidades do texto de João Emanuel Carneiro. O espectador pode projetar o que quiser na Facção e em seu líder, que finalmente foi morto no capítulo de segunda-feira (7).
Quem seria o paralelo de Gibson do lado de cá da tela? O próprio autor admitiu ter se baseado em Adolf Hitler e na clássica cena do filme “A Queda” (2004) em que o “führer” se vê encurralado, uma sequência que já rendeu incontáveis paródias na internet. Basta mudar as legendas para que a explosão do chefe nazista seja sobre qualquer assunto que se deseje.
José de Abreu declarou que moldou seu personagem no ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Para quem nutre simpatia pelo PT, como o ator, a comparação faz todo sentido: por trás da fachada de patriarca amoroso e executivo de sucesso se esconde um bandido sem escrúpulos, que justifica seus atos violentos em nome de um bem maior.
Só que a carapuça também serve em Lula, o arquirrival de FHC. E, por uma coincidência cósmica, as cenas de fúria de Gibson foram ao ar na mesma semana em que o ex-presidente, acossado pela Polícia Federal, se exaltou diante das câmeras de TV.
Gibson também pode ser lido como uma versão fictícia de Eduardo Cunha: um suposto paladino da moral e dos bons costumes, mas que na realidade está afundado até o pescoço nas mais diversas maracutaias.
Na verdade, o “pai da Facção” é quem a gente quer que ele seja. Nossas inclinações políticas o interpretarão como seja lá quem julguemos ser o inimigo número 1 do Brasil. Porque Gibson mente o tempo todo, e a política também é o exercício constante da mentira.
Agora o “pai” foi morto, e já começou a disputa para saber quem ficará em seu lugar. Ou seja, a “Facção” continua. Mais um paralelo com a situação atual: não adianta eliminar os cabeças, se a raiz do problema continua intacta. E mais um ponto para “A Regra do Jogo”, que demorou mas conseguiu seduzir o público com um enredo complexo e muito atual.
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