Tony Goes

Com 'A Regra do Jogo', Cássia Kis se firma como uma de nossas maiores atrizes

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A cena tinha enorme potencial para dar errado. Era o reencontro entre mãe e filho, rompidos há mais de uma década. Ela o despreza, mas precisa que ele lhe preste um imenso favor. E aí ele aproveita para exigir que ela lhe peça o tal favor de joelhos. Detalhe: a mãe está numa cama de hospital, recém-operada. Mas seu desespero é tão grande que ela se atira no chão, se arrasta, se humilha. E o filho, então... nega o favor.

Melodramática, folhetinesca, essa cena foi exibida no segundo capítulo de "A Regra do Jogo". Com uma direção menos inspirada e entregue a atores menores, poderia ter saído grotesca —mas foi um dos grandes momentos da TV deste ano. Graças à "caixa cênica" inventada por Amora Mautner e, principalmente, aos desempenhos de Alexandre Nero e Cássia Kis.

Muito tem se falado dele, que assumiu seu segundo protagonista de uma novela da faixa mais nobre da Globo menos de seis meses depois de terminar o primeiro, em "Império". Nero está ótimo, mas esta coluna é dedicada à sua colega.

Não é de hoje que Cássia Kis é famosa. Seu primeiro papel de destaque na TV foi a dona Lulu de "Roque Santeiro" —até hoje, a novela de maior audiência de todos os tempos. Pouco tempo depois, emplacou mais um personagem que entrou para a história: Leila, nada menos que a assassina da lendária Odete Roitman de "Vale Tudo" (1988). E em 1990 participou de "Pantanal", a novela da extinta TV Manchete que quase destronou a Globo.


Apesar disso, ela jamais fez a protagonista de novela alguma. Verdade que chegou perto com "Barriga de Aluguel" (1990), ou como a vilã de "Porto dos Milagres" (2001). Seus personagens sempre tiveram destaque nas tramas, mas nunca foram os principais.

Ela parecia fadada a seguir carreira desse jeito: como uma excelente atriz, daquele tipo em que autores e diretores podem confiar. Mas não como uma estrela, nem como uma diva do quilate de Fernanda Montenegro.

Aí veio a Dulce de "Morde e Assopra" (2011). Cássia se entregou ao papel sem o menor pudor: surgiu feia, desdentada, falando errado. Fez o público se esquecer de quem ela era e acreditar piamente na história daquela mulher sofrida, de longe a mais emocionante da novela de Walcyr Carrasco.

Depois fez Melissa, um personagem menos exigente em "Amor Eterno Amor" (2012), e sumiu da telinha por quase dois anos. Neste meio tempo, encarou um tratamento psiquiátrico e recusou polidamente um papel desimportante em "Amor à Vida" (2013): a enfermeira Ordália, defendida, afinal, por Eliane Giardini.

Só ressurgiu na TV no começo de 2014, e irreconhecível: era a ex-prostituta Carolina, na minissérie "Amores Roubados". Poucos meses depois, nova surpresa: a sofisticada Gilda de "O Rebu". Dois papéis tão contrastantes que lhe valeram o prêmio de melhor atriz do ano da APCA (Associação Paulista dos Críticos de Arte) —um troféu que, curiosamente, ela nunca havia ganho.

Os bons trabalhos continuam este ano. Em janeiro ela foi a Olga da minissérie "Felizes para Sempre", uma mulher madura que reencontra um amor da juventude. E agora, como Djanira, está simplesmente se superando. Cássia consegue ser o destaque de um elenco em que só há feras.

Aos 57 anos de idade, ela finalmente está tendo a consagração que sempre mereceu. Eu aplaudo e agradeço, mas, humildemente, peço uma coisa: que ela escolha uma grafia definitiva para seu nome artístico. Já foi Cássia Kiss, Cássia Kis Magro (incorporando o sobrenome do marido) e agora é Cássia Kis, com um "s" só. Decida-se, Cássia: uma atriz do seu tamanho precisa ter uma marca perene.

Tony Goes

Tony Goes (1960-2024) nasceu no Rio de Janeiro, mas viveu em São Paulo desde pequeno. Escreveu para várias séries de humor e programas de variedades, além de alguns longas-metragens. Ele também atualizava diariamente o blog que levava seu nome: tonygoes.com.br.

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