Thiago Stivaletti

'Laços de Família', uma novela chique da era FHC

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"E se a gente combinasse uma viagenzinha pela Europa? Você já foi para lá?"

"Eu conheço Paris, Londres... Mas não conheço Viena, por exemplo."

"Então ótimo! A gente pode organizar uma viagem em turma por algumas cidades, ali para julho, agosto... Vai ser bom para relaxar."

Foi mais ou menos esse um diálogo entre Helena (Vera Fischer) e Miguel (Tony Ramos) em "Laços de Família", novela de Manoel Carlos que o canal Viva reprisa há algumas semanas e que está o maior sucesso de audiência.

Ver "Laços de Família", que foi ao ar no já remoto ano de 2000, é perceber o quanto o Brasil mudou. Uma novela de brancos para brancos, toda passada no charmoso e elitista bairro do Leblon, no Rio, em que uma das únicas personagens negras é Zilda, a empregada de Helena, vivida por Thalma de Freitas, hoje cantora de sucesso. Zilda é o protótipo da empregada cordial das novelas de Manoel Carlos: sem vida própria, totalmente fiel à patroa, com frases do tipo "Ô dona Helena... Só de ver a senhora mais feliz, eu fico mais feliz também."

Em 2000, o Brasil ainda vivia os anos FHC —já impactado pela desvalorização do real um ano antes, mas ainda colhendo os frutos da estabilidade econômica. Lula ainda não tinha iniciado a inclusão social mais intensa que culminou com o crescimento das classes C e D. Fernando Meirelles ainda não tinha estourado cinco anos depois com "Cidade de Deus", filme que definiu um novo parâmetro de inclusão dos negros e pobres nas imagens que o país produz de si mesmo —primeiro no próprio cinema, depois na TV.

Se na era FHC "Laços de Família" abria com a finíssima versão em inglês da bossa nova "Corcovado", ao som de Tom Jobim, Astrud e João Gilberto e o sax do americano Stan Getz, na era Dilma temos Nelson Cavaquinho com "Juízo Final" na voz de Alcione em "A Regra do Jogo". (Nada contra a Marrom, que eu amo de paixão desde criança, quase tanto quanto o João Gilberto).

Hoje, quase todas as novelas têm em suas tramas ao menos dois ou três personagens negros de destaque —e não apenas no papel de doméstica. Taís Araújo (que nove anos depois seria a primeira Helena negra de Manoel Carlos), Roberta Rodrigues, Cris Vianna, Sheron Menezzes são estrelas fortes na Globo, graças a Deus.

Mas diferenças à parte, que delícia rever "Laços de Família". Por baixo das amenidades da classe média alta, Maneco sempre desenvolveu muito bem os desejos sexuais que pervertem a moralidade dos "cidadãos normais": Helena gosta de Edu (Reynaldo Gianecchini), um rapaz bem mais jovem que ela, mas vai ter que abrir mão dele para a própria filha, Camila (Carolina Dieckmann). E Íris (Deborah Secco), a Lolita da vez, com seus 17 ou 18 anos, não esconde o desejo que tem pelo primo bem mais velho, Pedro, o eterno garanhão Zé Mayer. Viva o sexo que perverte a ordem, mesmo entre a elite mais conservadora.

Thiago Stivaletti

Thiago Stivaletti é jornalista, crítico de cinema e noveleiro alucinado. Trabalhou no "TV Folha", o extinto caderno de TV da Folha, e na página de Televisão do UOL. Viciou-se em novela aos sete anos de idade, quando sua mãe professora ia trabalhar à noite e o deixava na frente da TV assistindo a uma das melhores novelas de todos os tempos, "Roque Santeiro". Desde então, não parou mais. Mesmo quando não acompanha diariamente uma novela, sabe por osmose todo o elenco e tudo o que está se passando.

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