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Rosana Hermann
Descrição de chapéu Todas

Cuspir em Xuxa é sinal de que o mundo está para acabar

À primeira vista, pode parecer um caso isolado, mas é também exemplo de uma doença social

A imagem mostra uma mulher com cabelo curto e platinado, usando um moletom cinza, dentro de um carro. Ela parece estar surpresa ou preocupada, olhando para fora da janela.
Na saída de show, Xuxa é atacada por fã com cuspe e insultos - @clubedaxuxaoficial no Instagram
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Cuspiram na Xuxa.

O perfil Clube da Xuxa Oficial, do Instagram, postou o vídeo desse momento lamentável com os seguintes dizeres: "Mulher cospe na cara da Xuxa, xinga Xuxa de abusada e ainda quer tirar foto com ela #xuxa #xuxameneghel #cospe #porca #corinthians @xuxameneghel #cara #nacara".

O texto e as hashtags dão uma ideia do que aconteceu, mas vamos à explicação completa. Após a apresentação de Xuxa no intervalo do Futebol da Esperança, que aconteceu no domingo (13), na Neo Química Arena, em São Paulo, a artista foi abordada por um grupo de pessoas que se aglomerou em torno de seu carro, disputando o espaço da janela para captar imagens da Rainha dos Baixinhos.

Xuxa tentava atender os fãs quando uma mulher começou a reclamar, chamando-a de "abusada". Apesar dos pedidos de "calma", a mulher acabou cuspindo no rosto de Xuxa. Alguns fãs gravaram o momento da agressão. Evidentemente, Xuxa resolveu não atender mais ninguém e foi embora.

Nos comentários do vídeo, a maioria demonstra bom senso, condenando o ato nojento e a total falta de respeito da suposta fã (ou seria hater?). Sem contar a injustiça, já que Xuxa sempre atendeu seus fãs e definitivamente não merecia uma grosseria dessas. É exatamente por causa desse tipo de atitude grotesca que muitos artistas deixam de atender seus admiradores.

À primeira vista, pode parecer um caso isolado, fruto de uma pessoa sem controle emocional. Mas é também um exemplo de um sintoma coletivo, uma doença social que acomete uma boa parte da população que escolhe viver em realidades "alternativas".

Muita gente hoje não vive na realidade comum a (quase) todos nós —aquela onde acordamos, nos movemos pelas cidades, comemos, interagimos, sentimos, produzimos, vemos e experienciamos coisas. Uma parte da população fez outra escolha: a de habitar seu próprio mundo de fantasia, em universos paralelos.

Há casos de jovens que fazem disso uma atividade regular, como no fenômeno do "shifting". Esses jovens usam supostas técnicas de relaxamento para se "transportar" para o mundo da ficção, como livros e histórias, onde podem ser qualquer personagem.

Se antes tínhamos comunidades do Orkut onde pessoas reais trocavam mensagens, agora jovens fingem que estão em Hogwarts e namoram o Harry Potter.

Pode parecer esquisito, mas há muitos anos já abraçamos a ilusão nas redes, com o Instagram sendo o maior exemplo. Os feeds que acreditamos mostrarem a vida de famosos não passam de uma encenação marketeira, praticamente uma ficção. Os feeds de influenciadores de "lifestyle" não são muito diferentes de uma série como "Emily em Paris", onde tudo é produzido e irreal.

Talvez, para a mulher que cometeu esse ato absurdo, ela não tenha cuspido na pessoa, Maria da Graça Meneghel, mas na Xuxa, a personagem que via na TV, no cinema, nas telas de seu celular —uma figura totalmente inatingível. E, ao ser rejeitada pela ídola, reagiu de forma primitiva, animalesca, cuspindo como um bicho.

Mais do que uma terrível onda de falta de respeito, vivemos uma crise mundial de incapacidade de diferenciar mentira de verdade, fantasia de realidade. Hoje mesmo, vi um vídeo feito por inteligência artificial em que um bebê tocava uma canção num ukulele de pelúcia enquanto cantava uma música de amor para sua mamãe.

Bastariam dois neurônios para ver que aquela cena era impossível, mas muita gente comentou e elogiou, como se fosse real. Os comentários revelam o choque entre quem percebe claramente que é um vídeo sintético e a turma do "se eu vi na internet, então é verdade", aplaudindo e abençoando o bebê prodígio.

Estamos vivendo a era dos extremos. Eventos climáticos extremos, extrema intolerância, violência extrema. Eu, que sempre fui uma pessoa extremamente otimista, passei a acreditar que o mundo caminha para a autodestruição.

Atacar os ídolos de infância parece ser mais um sinal, não só de que a sociedade está corrompida, mas de que o sonho já acabou. E o mundo, com fãs que cospem na Xuxa, já está no jeitinho, prontinho para acabar.

Rosana Hermann

Rosana Hermann é jornalista, roteirista de TV desde 1983 e produtora de conteúdo.

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