O Vesgo do Pânico era mesmo a Priscila da TV Colosso?
Muitos nutrem memórias afetivas de um tempo em que ríamos de coisas ingênuas e éramos capazes de distinguir a verdade da mentira
Trabalhei no Pânico na TV em seus melhores anos, em meados de 2000, na equipe de criação e roteiro. Naquela época, ainda não se usava o termo fake news, mas a trolagem era parte do dia a dia da turma.
Tudo e todos eram provocados, enganados e afrontados pelas loucuras do grupo. Hoje, o Pânico na TV seria inviável, totalmente fora do tom para os nossos tempos. Mas naquele momento, foi uma produção inovadora, disruptiva, que marcou uma era.
O programa era intenso, divertido, criativo, bagunçado e cheio de novos talentos do humor que conquistaram a atenção do Brasil e fizeram a RedeTV! viver uma época de ouro em audiência. Quase sempre, durante a exibição ao vivo, eu ficava no "switcher", o centro de controle, por assim dizer, acompanhando o finado Ibope.
Era impressionante ver os números subindo de zero a 12, 13 pontos de audiência, levando uma emissora que costumava ficar no final da lista das mais assistidas ao primeiro lugar do domingo à noite. Parecia mágica. O recorde chegou a picos de 16 pontos de audiência. Hoje, uma novela da Globo como "No Rancho Fundo" dá esse mesmo resultado. O Pânico na TV não existe mais, e seu homônimo no rádio tem outra linha editorial totalmente diferente.
Mas foi no auge do Pânico que a dupla Vesgo e Ceará fez história. Mesmo fora do programa, a equipe seguia o espírito de Andy Kaufman, o de testar e desafiar toda a comunicação. O programa ia ao ar somente aos domingos, mas de segunda a sábado, inventávamos factoides para ficar na mídia o tempo todo.
Ninguém sabia diferenciar a verdade da mentira, o fato da ficção, a invenção da realidade. Agíamos como a assinatura do famoso perfil humorístico "Sensacionalista", isento de verdade. Quando o corte famoso do programa Silvio Santos da "Menina do Bambu" viralizou, criamos um falso documentário entrevistando a garota já adulta falando do trauma causado pela piada. Era tudo trolagem. Não era a menina adulta, mas uma figurante contratada.
Entre as invenções folclóricas dos integrantes, tinha a lenda de que Rodrigo Scarpa, o Repórter Vesgo, seria o manipulador da cachorra Priscila da TV Colosso (Globo). Era mentira. Porém, como ninguém nunca fez questão de negar, Vesgo dizia isso como verdade até mesmo em entrevistas. E, como um dia isso saiu no jornal, ele linkou a matéria no verbete da Wikipédia. Durante muito tempo, esse falso dado constava como real, ancorado pela matéria.
Hoje, sabemos que o verdadeiro ator que fazia Priscila era o manipulador de Gravataí Paulo Adriane, que tem dado entrevistas falando de sua alegria em ver o programa de volta ao canal Viva, a partir de outubro. O perfil de Paulo no Instagram está repleto de posts celebrando esse retorno à TV. Sabemos também que Vesgo nunca manipulou o boneco e essa ideia aparece na Wikipédia como uma brincadeira dos colegas de humor.
Ao Paulo Adriane, um grande abraço e a alegria de todos os que nutrem suas memórias afetivas de um tempo em que ríamos de coisas ingênuas e ainda éramos capazes de distinguir, um pouco melhor, a verdade da mentira.
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