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Rosana Hermann

Sobre ser mulher no Dia da Mulher

Exercer a feminilidade num sistema como o patriarcado pode ser aterrorizante

O feminino traz competências, talentos e afetos bonitos de se admirar em quem se identifica com o gênero
O feminino traz competências, talentos e afetos bonitos de se admirar em quem se identifica com o gênero - Womanizer Toys/Unsplash
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Quando eu me tornei mãe, tive uma epifania. Eu havia me transformado em uma criatura que vertia líquido.

Dos olhos escorria água salgada em gotas, a qualquer momento, por qualquer motivo. Dos seios saia leite, por um sistema que parecia ser controlado por uma rede sem fio entre meu filho e minhas glândulas. Ele sentia fome, chorava e o leite aparecia. Por causa do processo todo, eu também tinha escapes de sangue, sabe-se D’us de onde. E havia ainda a saliva, porque pode ocorrer de uma mãe realmente ficar babando por seu bebê.

Lembro que, quando vi uma dessas máquinas de refrigerante na maternidade, me ocorreu que eu tinha mais opções de líquidos e sabores do que ela.

A maternidade, porém, é um exercício opcional, não define o que é ser mulher. E, embora se torne um status vitalício depois de exercido, o ser mulher sempre terá o seu lugar, maior, mais amplo do que o ser mãe.

Para mim, existir como mulher tem duas grandes faces, a mulher que eu sou para mim e o meu "ser mulher" para os outros neste mundo.

Ser mulher para mim sempre foi motivo de alegria, de prazer. Nunca tive grandes dores ou desconfortos em relação ao meu feminino, nunca me senti desconfortável corporalmente e, por ser uma pessoa pequena, sempre me senti hábil e ágil no meu avatar.

Eu teria sido uma menina segura, uma adolescente sem problemas, uma adulta plena, uma mulher madura realizada considerando-se apenas a minha relação comigo. As dificuldades vêm das cobranças, dos julgamentos, das expectativas que nos são impostas (e das consequentes frustrações que essas expectativas podem gerar).

Porque ser mulher numa sociedade misógina, num sistema como o patriarcado, pode ser muito inconveniente. Ou até aterrorizante. Toda mulher sabe o terror de ser comida com os olhos quando a gente não quer. De ser assediada quando claramente não há interesse recíproco. Todas sabemos o medo de ser violentada.

Eu sei. E, nesses momentos, tudo o que eu queria era "desligar" minha feminilidade. Apertar um botão para que um "raio desfeminilizador" me tirasse da condição de presa de um caçador, em qualquer circunstância, a qualquer momento.

Não devia ser assim. Não pode ser assim. Mas ainda acontece. E, se não acontece com a gente, acontece com outras. Os feminicídios não param. A violência não para. Os estupros, inclusive os estupros coletivos ou "corretivos", não param.

O feminino traz tantas competências, tantos talentos, tanto afetos! É tão lindo de ver, sentir, compartilhar, admirar em todas as pessoas que se identificam com esse gênero, independente do sexo de nascimento. É tão bom ver os progressos que novas gerações de meninas conquistam.

Eu tenho esperança de que a gente consiga criar um mundo seguro para nossos corpos, nossas mentes e nossas almas, em que ser mulher não seja sinônimo de vulnerabilidade, mas de liberdade.

Eu continuo na luta. No Dia da Mulher e em todos os outros. Junto com todas. Porque somos muitas. Porque somos sempre. Porque somos a criação. Somos a explosão do Big Bang que gera tudo onde nada havia.

Como parte da iniciativa Todas, a Folha presenteia mulheres com três meses de assinatura digital grátis

Rosana Hermann

Rosana Hermann é jornalista, roteirista de TV desde 1983 e produtora de conteúdo.

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