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Krishna Mahon
Descrição de chapéu casamento

O golpista do Tinder e como a carência faz a gente fazer muita merda

Nada contra a trepatinha safada, mas sem enganação emocional

A queda de Ícaro, “um respingo despercebido. Isso foi Ícaro se afogando”, William Carlos Williams - Instagram/danielkondo_
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Assistindo ao "Golpista do Tinder" (Netflix) me peguei julgando as vítimas, porém, antes que completasse o raciocínio: "mas como elas acred...", lembrei o quanto fui trouxa. Na real, sendo bem honesta, me expondo mais que os nudes do meu Instagram @krishnamahon, venho de uma linhagem de trouxas. Meu pai dá até dó, minha mãe já pegou meu pai (socorro! Onde os dois estavam com a cabeça?) e o fruto não cai longe da árvore.

"Vou pedir pro krush bloquear todos os meus 6 perfis". Quando ouvi isso de uma deusa-amiga não imaginava que alguém "normal" tivesse mais de um perfil, quiçá dois, seis então... Ela me explicou que esse voyeurismo digital é muito comum, mas que stalkear o krush acaba sendo uma ferramenta para sofrer, conscientemente ou não. E eu crente que as redes sociais podiam conectar pessoas, resolver as carências. Já contei que sou trouxa né?

Tem um poema do Drummond que começa assim: "João amava Teresa que amava Raimundo / Que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili / que não amava ninguém". Esse "quem eu quero não me quer, quem me quer não vou querer" é tão triste quanto "se as relações são líquidas eu quero é passar o rodo". Imagino Bauman, que explicou que as relações não foram mais feitas para durar, reprovando, balançando a cabeça em negação. Enquanto isso o Tinder, Happn e outros apps servindo de rodo para uma cambada de gente que corre o risco de passar a vida de contatinho em contatinho, achando que está abafando, sem saber que o fogo no rabo é bom, mas que a conexão cabeça, coração e rabo é absurdamente melhor.


Uma amiga milênios mais nova que eu tava saindo com um cara antibiótico, desses que só respondem mensagem de 12 em 12 horas, e depois que comem passam para uma vez ao dia. Até aí tudo bem, mas quase sempre piora, né? Sumia de tempos em tempos e, quando aparecia, era para levar ao motel, ou chamar para ir de madrugada para casa dele, bem iFode, o sex-delivery que, se não usado com parcimônia, aí fode.

Nada contra a trepatinha safada, mas caso a meterola seja restrita ao rabo, que se possível seja clara, sem uma enganação emocional, sabe? Porque a distância entre a cabeça, o coração e o rabo não é facilmente mensurável. Podem ser só uns centímetros, do tamanhozin do Kleber (já falei que um dia eu conto mais sobre ele), ou quilômetros. E, sem enxergar direito, a gente demora a entender que sexo não é afeto, que um não é atalho pro outro. Talvez não entenda nunca.

Tenho uma amiga que gastou o que não tinha, cruzou o planeta e foi dar para um cara que não pegaria um ônibus por ela. Um amigo que fez mil chucas para um cara que sempre dava o cano (não no bom sentido), e quando finalmente achou que ia pegar, pegou foi herpes. Quantos vexames você já passou, caro leitor?

Será que é a danada da carência que me fez transar com quem eu queria no fundo que me amasse? Ou me fez sair do pijama naquela noite fria, depois de um dia exaustivo, para saciar uma vontade que nem era minha? Ou que me manteve mais de uma vez em relações com pessoas que eram bem menos do que eu achava que merecia? Quantas vezes que tratei, e você tratou também, como prioridade quem não tava nem aí para gente?

Já pensou se a gente pudesse racionalizar as emoções? Fazer com que os quilômetros de distância entre o rabo e o cérebro fossem só centímetros, e que, no pitstop do coração, se suprisse a diaba da carência com a amiga que esteve, está, e provavelmente sempre vai estar ao lado, com o amigo que dá para contar mesmo que seja de madrugada para socorrer quando o carro enguiça, ou com a irmã que vai estar com você incondicionalmente, mesmo que seja para esconder um corpo. Não dá para pedir tanto.

E se a gente tentasse um caminho mais fácil? Pelo menos cortar o que nos causa sofrimento desnecessário, como os 6 perfis para stalkear o krush; ter responsabilidade afetiva e torcer para virar moda, com pessoas transando sem ferrar ninguém; quem sabe a partir daí a gente consegue pensar em algo ainda melhor? Como se descobrir, se aceitar e se amar. Depois amar sabendo que não necessariamente vai ser amado de volta; que o melhor sexo da nossa vida está longe de ser o amor da nossa vida; que sexo quase nunca tem a ver com amor, e não sofrer com isso. E enquanto não encontra a tal conexão cabeça, coração e rabo, pelo menos enxergue quem quer só o rabo. Não há mal nenhum nisso, desde que a cabeça e o coração saibam.

PS: O brasileiro já sofre demais, então a Foda Madrinha está torcendo para gente ser menos trouxa e, nunca, nunquinha mesmo, perder nem um tiquinho de amor-próprio ou dinheiro, como as vítimas do Golpista do Tinder, para krush algum.

Krishna Mahon

Jornalista e cineasta indicada ao Emmy, é apresentadora do SexPrivé Club da Band. Foi produtora da Discovery e diretora de conteúdo do History.

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