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Krishna Mahon
Descrição de chapéu

Xerecard ou US$ 500 a noite

O que há de errado em ser go go dancer, striper, cam-girl, atriz pornô?

Pintura Thales Pereira - Instagram/thalesfariapereira
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Morava numa quitinete que era basicamente um grande quarto. Não dava para cozinhar e não ter o cheiro de comida nas roupas, lençóis, tudo, mas era em frente ao mar. Ralava o fiofó na ostra como produtora nos canais Discovery nos EUA, morria de medo da minha chefe, que era um diabo veste prada da TV, mas com quem aprendi mais que em duas faculdades. Basicamente passava o dia roendo o pão que o diabo amassou com o rabo, mas era feliz.

Numa raríssima terça-feira em que não fui trabalhar, desci para piscina para ler. Eis que uma mulher linda, muito queimada de sol, se aproxima. Conversa vai, conversa vem, ela tasca: "você tem um corpo lindo, podia até trabalhar comigo". A menina mineira que habita em mim gelou, mas a carioca ficou curiosa.

Eis que ela explica: "Danço no Solid Gold", que é o McDonalds do sexo nos EUA, "e vou pra lá toda noite, danço umas duas ou três horas. Assim que dá US$ 500 (R$ 2.600 na cotação atual) eu volto pra casa. Se quiser te apresento para o meu chefe, e você pode fazer muito mais que eu".

Agradeci sem jeito, subi abismada, lutando com a matemática mental que é praticamente inexistente, e chegando à conclusão que o tempo dela valia muitas vezes mais que o meu. É… Pra você que pensa que trabalhar com TV é glamoroso, é o oposto. Sangue, suor e lágrimas.

Tinha que contar sobre a proposta indecorosa para alguém. Liguei para o papai que, com seu Caco Antibes interior, entenderia a dor de quando a gente descobre que não é rico. Por isso muita gente prefere viver num faz de contas. Não faça as contas, senão você chora, rs. Num tipo de "Não Olhe Para Cima", a pessoa que tem um carro pago em zilhões de prestações e uma casa própria, não enxerga que no máximo é um pobre VIP. Digo isso tendo saído de família pobre premium, aliás, mais para pobre que para premium.

Rindo ao telefone papai zombou: "que pena que te criei mal, com princípios e valores, senão você estava rica!" E rimos juntos do meu fracasso financeiro, tendo estudado e ralado tanto.

A mudança é a única certeza da vida, e hoje, uns 20 anos depois do ocorrido, me questiono: o que há de errado em ser go go dancer, striper, cam-girl, atriz pornô, ou mesmo garota de programa e prostituta? Quem estabeleceu que elas são piores que a gente?

Me peguei surpresa com esse juízo de valor, com os preconceitos que não sabia que tinha. Talvez um racista não saiba que é racista, porque as pessoas normalmente não escolhem ser ignorantes ou escrotas. Muitas vezes os preconceitos ficam às ocultas de nós mesmos, e, como diz Saramago, "é preciso sair da ilha para ver a ilha. Não nos vemos se não saímos de nós". Da mesma forma eu só me despi do meu preconceito com as trabalhadoras do sexo quando passei a enxergá-las, agora que apresento o SexPrivé Club na Band, todos os sábados de madrugada.

Quem me segue no Instagram @krishnamahon clama por um OnlyFans (além de inteligente eu também sou boa, no duplo sentido, por favor), o que me fez lembrar aquela cantada: "você não usa calcinha, usa caixinha de joias". Então, eu não sabia, mas estava, e ainda estou, sentada num cartão de crédito pago, em uma mina de bitcoin. Se eu vou usar esse xerecard? Talvez seja pedir desconstrução demais para mim. Vergonha? Só a de ter sido essa pessoa preconceituosa.

O que eu sei é que tem gente incrível na indústria do sexo, e que, pensando com economês, Maru Karv sabe mais sobre empreendedorismo e negócios que um amigo que fez Boston University. Ela, que apresentou o SexPrivé Club na Band comigo, tem um dos maiores canais do PornHub brasileiro, e só no seu canal no OnlyFans faz mais do dobro do que eu ganhava como diretora de conteúdo do History Channel. Se olharmos além, vamos ver que donas de sexshop, camgirls, e todos os trabalhadores do sexo prestam um serviço social. Elas ajudam as pessoas a lidarem com carências, as durezas da vida. Não só por isso, mas também por esse papel, merecem todo nosso respeito.

PS: Se meu texto não te convenceu quanto ao valor dessa indústria, experimente uma massagem tântrica, e depois a gente conversa, rs.

Krishna Mahon

Jornalista e cineasta indicada ao Emmy, é apresentadora do SexPrivé Club da Band. Foi produtora da Discovery e diretora de conteúdo do History.

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