Um boquetchy e um copo d'água não se nega a ninguém
Não caia na mesmice e tente sempre ser mais altruísta com os afetos
Dei risada e achei um absurdo quando ouvi pela primeira vez esse mantra do Mr. Catra. Depois soube que originalmente a frase era do Chico Anysio e o Catra tinha se apropriado. Não sei. Mas me fez pensar que talvez haja uma sabedoria profunda ocultada pela piada. Será que a gente não tem que se abrir mais para o exercício do afeto?
Calma, não é sobre montar uma barraquinha de sexo na praça da Sé.
Quem pratica algum esporte, ou qualquer tipo de exercício físico, já deve ter sentido o quão ruim é enferrujar. Quanto mais tempo parado, pior é para voltar. Na dúvida comece. É melhor fazer um tiquinho que não fazer. Parece que o corpo responde ao estímulo e naturalmente a coisa tende a voltar.
Corro no Ibirapuera toda semana, isso quando São Pedro resolve colaborar, caso contrário fico uns dias parada. Quem acompanha meu Instagram, @krishnamahon, deve até achar que eu sou MILF-maromba, rata de academia, mas longe disso, meu único exercício é a corrida. E quanto mais tempo fico sem correr, mais difícil é de voltar.
O danado do tempo adora cobrir nossa memória com um véu. É o cheiro da avó que vai ficando mais fraco, os sucrilhos das costas daquele amor longínquo que eu sabia de cor, aquela sensação do primeiro beijo no marido... Pois o véu do tempo parece que cobre mais rápido ainda a memória do quão gostoso é o high de endorfina, o prazer do vento no rosto, a viagem no cenário, parece que ele vai enferrujando essas vívidas experiências que tanto me movem. E uma vez que eu saia da inércia e volte a me mover, nem que seja a caminhar, cada um desses véus vai saindo até que a deliciosa vividez dos pequenos e grandes detalhes inerentes à corrida vêm à tona latejando.
Todo mundo que já esteve em um relacionamento longo, já deve ter sentido que, sem se dar conta, a gente vai criando roteiros sexuais. Explico. Sabe aquele ritual pré-transa? E quando você acaba fazendo as mesmas posições? Ou goza sempre do mesmo jeito? Aliás, torço para que você que está lendo goze, porque, como sabemos, muitas pessoas, principalmente mulheres, acabam não gozando (assunto para outra coluna), e esse não gozar aliado às mesmices da relação sexual vai apagando o fogo no rabo.
O fogo na relação é o responsável por colocar em movimento a vividez da transa entre os envolvidos, ele faz com que não haja um script a ser seguido, com que as pessoas não entrem em um modo enferrujado de se relacionar (sexualmente), isto é, ele faz com que a relação não esfrie. De modo que quanto menos fogo no rabo, menos a gente transa. E quanto menos transa menos vontade tem de transar. E quando vê está transando uma vez a cada duas semanas, depois uma vez por mês, depois nem isso. É a danada da ferrugem que aparece mesmo nas melhores relações.
Reza a lenda que trair e coçar é só começar. Traição também é assunto para outra coluna, mas a coceira tem a ver com essa. Sabe quando a picada de mosquito está lá quietinha, daí você coça, e sente que a coceira não vai parar nunca mais? Quem sabe com sexo também é assim?
Quem sabe, quando o krush teve um dia cagado, e a vida esteja puxada, a gente não deva ser mais altruísta com os afetos e oferecer um boquetchy como quem oferece um copo d’água?
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