Ditadura na Nicarágua confisca traje típico da vencedora do Miss Universo
Marido e filho de diretora nacional do concurso estão desaparecidos, afirma imprensa local
Marido e filho de diretora nacional do concurso estão desaparecidos, afirma imprensa local
Desde quarta (29), páginas internacionais especializadas em concursos de beleza estão repercutindo um suposto sumiço do traje típico usado pela Miss Universo 2023 no concurso. Segundo as postagens, a fantasia "El Zanate", da nicaraguense Sheynnis Palacios, vencedora da edição, teria sido confiscada pelo regime ditatorial de seu país, comandado por Daniel Ortega.
O traje assinado pelo designer nicaraguense Jorgito Salazar é uma homenagem à ave local zanate ou zanatillo. O animal silvestre lembra um corvo, com grandes asas de penas pretas, e é natural do país. As habilidades da ave, conhecida por se adaptar a qualquer ambiente para sobreviver, serviram como inspiração para Salazar.
"A peça representa a adversidade, que com brilhos iridescentes são o sinal de que sempre há uma luz no final do caminho. O zanate adota uma posição com as asas levantadas para dar a entender que o local onde está é o território dele e para atacar suas presas", explicou o designer.
O confisco da roupa teria acontecido assim que as malas com as peças do traje chegaram ao aeroporto do país, no último dia 19, um dia após a final do concurso.
O responsável pelo transporte da roupa era Martín Argüello, marido de Karen Celebertti Moncada, diretora do Miss Nicarágua, que estava acompanhado do filho Bernardo (16) e da sogra. Eles voltavam de El Salvador, onde tinham ido com Karen para assistir à final do concurso, que aconteceu no país vizinho, na região da América Central.
Ambos, pai e filho, estão desaparecidos e incomunicáveis segundo os sites hondurenhos hondurenhos HCH e La Tribuna, entre outros da região.
Segundo o diário nicaraguense La Prensa, que exerce oposição ao regime de Ortega, eles foram retirados da casa da mãe de Argüello nesta segunda (27). As fontes do veículo são pessoas próximas à família, que afirmam ainda que haviam viaturas da polícia em frente à casa, na cidade de Ticuantepe. Os celulares de ambos, assim como outros parentes e funcionários que estavam juntos, também foram tomados.
A perseguição da ditadura de Ortega aos familiares de Karen Celebertti começou logo após a coroação de Sheynnis, no dia 18 de novembro. No último dia 23, a diretora teve sua entrada no país negada após pousar em Manágua e foi exilada. Acompanhada da filha, foi obrigada a voltar ao México, onde estava como convidada do Miss Universo, após acompanhar Sheynnis em compromissos em Miami (EUA) e na capital do México.
Em nota oficial à CNN, a organização do Miss Universo disse que está ciente da situação e que "trabalha para garantir a segurança de todas as pessoas afiliadas" ao concurso. "Apelamos ao Governo da Nicarágua para que garanta a sua segurança caso cumpram os requisitos (migratórios). Até este momento, a diretora nacional, a sua família estão seguros", afirmou.
No último dia 18 de novembro, a modelo nicaraguense Sheynnis Palacios foi coroada Miss Universo e conquistou, ao mesmo tempo, a primeira vitória de seu país e da América Central na competição. O feito, no entanto, evidenciou a turbulência pela qual passa a região da nação da campeã.
Enquanto a Nicarágua se transformou em uma ditadura de esquerda nos últimos anos, comandada por Daniel Ortega, no vizinho El Salvador, onde aconteceu o concurso de beleza, a democracia passa por um processo acelerado de degradação desde a eleição do populista de direita Nayib Bukele, em 2019.
A coroação teve repercussão negativa em ambas as localidades: na Nicarágua, a comemoração da população nas ruas com a bandeira do país foi vista como uma afronta. Isso pois desde que os símbolos nacionais foram usados em protestos contra o regime de Daniel Ortega, em abril de 2018, a bandeira virou alvo de desconfiança de agentes do regime.
A própria Sheynnis participou dos protestos de cinco anos atrás, quando tinha 18 anos —fotos da agora Miss Universo nas marchas viralizaram antes da cerimônia. O regime então ficou sob alerta e observa atentamente o possível uso da imagem da nova Miss Universo como forma de protesto no país.
Em El Salvador —país que, com o sinal trocado, toma medidas semelhantes à da Nicarágua de 2018— também houve polêmica, ainda que em outra escala. Ovacionado ao entrar no palco do Miss Universo há duas semanas, o presidente salvadorenho disse que o concurso deu ao país a oportunidade de mostrar ao mundo do que é capaz.
Naquele mesmo dia, centenas de pessoas se manifestaram nas ruas da capital, San Salvador, contra o regime de exceção que Bukele instituiu em março de 2022. "Com esses concursos e espetáculos, o regime tenta encobrir a violação dos direitos humanos que o regime de exceção está causando", disse à agência de notícias AFP Samuel Ramírez, coordenador do Movimento de Vítimas do Regime.
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