De faixa a coroa

Antes de Martha Rocha tiveram outras misses Brasil, afirmam especialistas

Baiana ficou conhecida como 1ª Miss Brasil pelo formato atual da competição

Martha Rocha, miss Brasil 1954 - Frederico Rozário - 17, jun.93/Folhapress
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Além das duas polegadas e do mistério sobre a idade, mais uma lenda envolvendo a baiana Martha Rocha veio à luz após sua morte neste fim de semana, aos 87 anos em Niterói (RJ).

Amplamente conhecida como a primeira Miss Brasil, título conquistado em 1954, Rocha, na verdade, foi a primeira brasileira a representar o país no Miss Universo que conhecemos hoje. Mas antes dela, outros concursos foram feitos para eleger a mulher mais bonita do país, assim como disputas internacionais com a participação do Brasil, porém sob a gestão de outras organizações.

“Em 1954 os 'Diários Associados', por meio de seu fundador Assis Chateaubriand, adquiriram o direito de realizar o Miss Brasil para mandar a candidata do país ao que hoje conhecemos como Miss Universo. Desde então, concursos que se caracterizaram pela sequência e pela frequência, são considerados como o Miss Brasil da era moderna", explica o missólogo João Ricardo Camilo Dias, que é também curador do blog Miss Brazil on Board.

"Martha Rocha passou então a ser considerada a primeira Miss Brasil por causa dessa nova configuração do concurso, que é a de eleger uma candidata brasileira a cada ano, para mandar para um mesmo concurso. É por isso que ela é considerada a primeira Miss Brasil, pois ela é a representante inicial de uma nova era”, completa.

Segundo conta o também missólogo Henrique Fontes, na era pré-Martha os concursos de beleza eram feitos por jornais e a votação acontecia por meio de fotografias enviadas aos realizadores. Nos anos 20 foi consagrada pela primeira vez com a faixa nacional a paulista Zezé Leone, nascida em Campinas (SP). Esse disputa foi realizada pelo jornal carioca A Noite em parceria com a revista A Semana, e não foi presencial.

“O primeiro concurso nacional de beleza, que tinha mais ou menos essa denominação mesmo, não era chamado de Miss Brasil. Aconteceu entre 1921 e 1923 no Rio de Janeiro como comemoração ao centenário da independência e, curiosamente, nenhuma miss foi até lá para a disputa. Houve eleições nos municípios, por meio de votação popular ou com jurados, e as vencedoras tinham seus retratos enviados por correio.”

Segundo Fonte, que também é diretor do CNB (Concurso Nacional de Beleza) que elege, entre outras, a representante do país no Miss Mundo, “foram mais de 300 candidatas julgadas por três pintores e artistas da escola de Belas Artes do Rio, que escolheram 49 semifinalistas e quatro finalistas. Dentre elas elegeram Zezé Leone a primeira mulher mais bonita do Brasil”.

Zezé tornou-se então um mito na década de 20 e virou nome de locomotiva e de sobremesa. Ela fez dois filmes numa época em que a sociedade testemunhava o início do cinema. Uma das obras, inclusive, foi a mais assistida por brasileiros no período.

“Como fazem as comparações por aí, ela foi a Gisele Bündchen ou até mesmo a Martha Rocha dos anos 20. E olha que nem sequer foi ao Rio para receber os prêmios, que foram enviadas a ela. Além de uma fama incrível e muitos prêmios, ela ganhou muito dinheiro”, completa Fontes.

Depois dela, em 1929, aconteceu então o primeiro concurso de Miss Brasil de fato. Produção também do periódico A Noite, reuniu um grupo de quase 20 postulantes que, aí sim, foram ao Rio de Janeiro para a disputa. Sagrou-se então vencedora a Miss Distrito Federal --que na época era o Rio de Janeiro-- Olga Bergamini de Sá.

Considerada a segunda Miss Brasil, a carioca foi a primeira a receber o título e a faixa com as palavras exatas “Miss Brasil”, e disputou o que seria um primórdio do atual Miss Universo, nos Estados Unidos. Bergamini representou o país no International Pageant of Pulchritude (Desfile Internacional de Beleza), realizado em Galveston, no Texas (EUA).

“O nacional de Olga foi uma loucura sem precedentes. Ela foi eleita no estádio das Laranjeiras, que é o do Fluminense, diante de mais de 30 mil pessoas. Era tanta gente que as pessoas tomaram o campo e não tinha nem espaço para elas desfilarem. Já no internacional, ela não foi classificada, o que gerou uma revolta nos brasileiros, que criaram uma aura de favoritismo sobre ela, que não existia”, diz Fontes.

Já em 1930 foi a vez da gaúcha Yolanda Pereira, de Pelotas (RS), a ser coroada, não só como soberana nacional, mas também como a vencedora do seu internacional, que aconteceu em frente ao Copacabana Palace. Esse concurso, que foi bastante badalado, teve 26 países concorrendo e foi criado pelos brasileiros, ainda em uma espécie de retaliação à derrota de Olga.

Um fator para entender melhor os certames nessas décadas é que a denominação Miss Universo era bastante usada, mas não havia nada oficial ou uma marca registrada única, então diferentes eventos tinham esse mesmo nome.

Ainda de acordo com Fontes, em 1932, teve outra edição do concurso onde, curiosamente, a Miss Brasil foi eleita na comunidade brasileira em Paris, entre as mulheres que residiam na França. A vencedora foi a carioca Ieda Telles de Menezes, que acabou concorrendo em outro concurso realizado em território europeu, mas na Bélgica.

Em 1939 foi a carioca Vânia Pinto foi eleita no Cassino da Urca e depois, em 1949, já no Hotel Quitandinha de Petrópolis (RJ), Jussara Marques de Goiás foi a vitoriosa. Só então, depois dessas mulheres é que surgiu Martha Rocha, em 1954.

De fato ela pode não ter sido a primeira Miss Brasil oficial, mas sua fama e seu legado são tão fortes que a alcunha deve e tem legitimidade suficiente para permanecer na história e no imaginário popular. Sua exposição gerou uma representatividade que inspira mulheres e misses dos dias atuais, e tudo indica que esse posicionamento deve seguir adiante.

De faixa a coroa

Fábio Luís de Paula é jornalista especializado na cobertura de concursos de beleza, sendo os principais deles o Miss Brasil, Miss Universo, Miss Mundo e Mister Brasil. Formado em jornalismo pelo Mackenzie, passou por Redações da Folha e do UOL, além de assessorias e comunicação corporativa.
Contato ou sugestões, acesse instagram.com/defaixaacoroa e facebook.com/defaixaacoroa

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