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Zapping - Cristina Padiglione
Descrição de chapéu

Série sobre Daniella Perez foge da exploração barata do crime

Da HBO Max, documentário alcança delicadeza na abordagem de testemunhas e na objetividade das imagens

A atriz Daniela Perez posa para foto no Rio de Janeiro, em setembro de 1992 - Foto de Antônio Batalha/Folhapress
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É quase paradoxal apontar delicadeza em uma série documental que traz no título a palavra "brutal". Mas se é possível rememorar um crime que chocou o país, adotando para tanto uma narrativa que prima pela humanidade de um ato tão desumano, essa proposta é bem executada em "Pacto Brutal: O Assassinato de Daniella Perez". Os dois primeiros dos cinco episódios já estão disponíveis pela HBO Max.

O depoimento de Glória Perez à produção assinada por Tatiana Issa e Guto Barra é ponto-chave nessa condição de sensibilizar o público, seja aquele que se lembra exatamente onde estava quando foi assaltado pela notícia entre o fim de 28 de dezembro e o início do dia 29, em 1992, ou aquele que não viveu essa história, um enredo que parecia surreal até para uma obra de ficção.

A montagem e a edição do documetário exibem competência na reconstituição daquele dia 28 e de toda a sequência de evidências e relatos que logo permitiria a revelação da identidade do assassino, Guilherme de Pádua, colega de elenco da vítima em "De Corpo e Alma", novela escrita pela mãe de Daniella. Ele foi condenado pelo crime ao lado de sua mulher, Paula Thomaz.

Além da dramaturga, a produção ouve o viúvo, Raul Gazolla, primeiro a acusar que algo errado teria ocorrido com Daniella na noite do crime, quando ele a esperava para um ensaio. Há ainda depoimentos de outros familiares, amigos e colegas de elenco da Globo, como Fábio Assunção, Maurício Mattar, Eri Johnson, Cristinana Oliveira e o hoje deputado Alexandre Frota.

Cada relato é recortado para complementar outro e mais outro, compondo assim um quebra-cabeça de fatos que só o tempo e a distância conseguem alinhavar com êxito, especialmente para quem acompanhou todos os desdobramentos dessa história em tempo real.

Cabe lembrar que toda cobertura dita "ao vivo" traz sempre flashes de momentos específicos, em um vaivém de versões, liminares, relato de muita gente que está apenas em busca de holofotes e, como todo caso de grande comoção pública, especulações que jamais se confirmarão.

Em entrevista à repórter Karina Matias, da coluna Mônica Bergamo nesta Folha, Glória explicou por que pediu à produção do documentário para não ouvir Pádua e Thomaz: "Para que dar palco para psicopta?", questiona a dramaturga.

A autora conta que foi convencida a falar pela proposta do documentário de se basear naquilo que constam nos "autos do processo".

O ex-ator e hoje pastor evangélico, que à época foi alçado à faixa nobre da Globo vindo de shows de striptease da Galeria Alaska, em Copacabana, se queixou de não ter sido ouvido pela equipe de "Pacto Brutal". Mas se a base do documentário são os autos do processo e até hoje ele não procurou sequer reconhecer o equívoco de ter tentado culpar a vítima pelo crime, devo concordar com a mãe de Daniella.

Se Pádua tivesse algo a dizer que pudesse alterar o cenário que o condenou, poderia fazê-lo em qualquer meio hoje disponível em redes sociais, como o faz agora, ao se queixar de não ter sido procurado, talvez convencendo alguém de que teria algo a dizer que fosse útil, e não novamente ofensivo à vítima e seus familiares.

Os três últimos episódios serão liberados pela HBO Max na quinta-feira (28). E como já disse o colunista Tony Goes aqui no F5, é a melhor produção documental de true crime já feita no Brasil.

Acrescento a isso, mais uma vez, a delicada abordagem que coloca os relatos e imagens em cena, com uma sensibilidade que não resvala para o sensacionalismo (até porque este já é um enredo suficientemente dramático) e com uma objetividade que só valoriza a franca comoção da mãe, do viúvo e dos amigos.

Mesmo a exibição de fotos do corpo, ferido com 18 perfurações, a maioria próxima ao coração, é feita sob critérios técnicos. Os documentaristas fogem, com êxito, de explorações que muitas vezes lançam mão de closes exacerbados e trilha sonora fora de tom. Ali, tudo está no lugar.

Uma nota de rodapé: Entrevistei Daniella na mesma Tycoon, complexo de estúdios na Barra da Tijuca onde ela foi vista pela última vez, na primeira semana daquele mês de dezembro de 1992. Era então colunista e repórter da Folha da Tarde, jornal do Grupo Folha que mais tarde viria a dar lugar ao Agora SP.

Na ocasião, ela falou sobre o sucesso de Yasmin, sua personagem na novela, a pressão sofrida por ser filha da autora e os planos de um novo espetáculo e filhos com o marido, Raul Gazolla.

O resultado da entrevista fora publicado na FT no dia 22 de dezembro. E na edição do dia 30, data em que o crime foi noticiado pelos veículos impressos, publicamos a íntegra da conversa na mesma Folha da Tarde e também na Folha de S.Paulo como uma de suas últimas entrevistas.

Zapping - Cristina Padiglione

Cristina Padiglione é jornalista e escreve sobre televisão. Cobre a área desde 1991, quando a TV paga ainda engatinhava. Passou pelas Redações dos jornais Folha da Tarde (1992-1995), Jornal da Tarde (1995-1997), Folha (1997-1999) e O Estado de S. Paulo (2000-2016). Também assina o blog Telepadi (telepadi.folha.com.br).

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