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Zapping - Cristina Padiglione

Hans Donner admite que nudez de aberturas e vinhetas teve seu tempo

Designer que criou a linguagem gráfica da Globo estreia na TV Cultura

Hans Donner, designer
Hans Donner, designer alemão que cresceu na Áustria, criador da linguagem gráfica da Rede Globo e do relógio que traz no pulso, alvo de suas atenções sob todos os contextos - Divulgação
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Homem de bastidores, mas não de fugir dos holofotes, Hans Donner, 73 anos, estará diante das câmeras a partir desta quinta-feira (23), às 20h, no programa Cultura & Design, exibido pela TV Cultura. Alemão criado na Áustria, que fez carreira no Rio, ele terá a chance de apresentar criações concretas, em forma “palpável”, como diz, diferentemente do plano virtual pelo qual ficou conhecido como criador de todo o grafismo que deu identidade à marca Globo.

Certo de que o tempo tudo transforma, Donner entende que jamais poderia repetir hoje aberturas de novelas como “Tieta” (1989), onde as curvas de Isadora Ribeiro, sua ex-mulher, se transformavam em tronco de árvore e rio a partir de imagens em que ela surgia completamente nua, com direito a seios à mostra, ou “Brega & Chique” (1987), em que o modelo Vinicius Manne desfilava, como dizia a música, “nu com a mão no bolso” –caminhava dando as costas para a câmera, mas nu.

Houve ainda “Pedra Sobre Pedra” (1992), com Mônica Fraga, que também dispensava figurino para emprestar suas curvas a desenhos da natureza, e “Mulheres de Areia” (1993), em que Monica Carvalho, já menos exposta, mas ainda nua, virava areia.

E como não lembrar de Valéria Valenssa, a Globeleza original, com quem também foi casado, que se vestia apenas com pinturas no corpo? Após 27 anos sambando nua, a personagem da vinheta de Carnaval, já representada por outra modelo, passou a ser vestida desde 2017. Da versão original, ficou só a música.

Donner se ressente da forma como trocaram sua Globeleza por outra modelo. Também conta que embora tenha permanecido na emissora até este ano --a Globo informa que o fim do vínculo contratual foi no final de 2019--, há muitos anos já não interferia na abertura das novelas e programas. Na última década, a emissora optou por diversificar a criação das fachadas de suas atrações, convidando diferentes nomes para esse trabalho, a fim de ampliar os horizontes criativos.

De toda forma, nunca mais foram vistos seios e bunda à mostra em abertura de novela. “Nunca poderia fazer aquilo agora”, reconhece, sem no entanto considerar que seu trabalho tenha envelhecido. “As pessoas é que envelheceram”, diz. Não se trata de uma crítica velada ao conservadorismo, como pode parecer, mas sim à avaliação de que tudo tem seu tempo.

Não à toa, traz atrelado ao pulso um relógio desenhado por ele, quase um cartão de visitas de uma nova etapa de sua trajetória após 44 anos de Globo. O objeto, que ele apresenta em close na tela da nossa videochamada, aponta o avanço dos segundos por meio de uma linha circular que trilha as 12, porém ocultas, frações da esfera do relógio.

A imagem muda de cor ao gosto do freguês e distingue o passar do tempo também pelos conceitos de claro e escuro, como mostra seu criador, entusiasmado com o efeito do consumo do tempo em ritmo de slow food.

Conhecendo seu histórico, não há como olhar para o design em questão e não ter a sensação de ver uma vinheta da Globo, como se um plim-plim fosse disparar do áudio a qualquer momento.

NO BALANÇO DAS HORAS, TUDO PODE MUDAR

Enquanto conversamos via zoom, ele do Rio e a colunista de São Paulo, faz questão de sublinhar em cada frase o quanto lhe interessa ver tudo sob a perspectiva do passar das horas, dos minutos e segundos. “Me interessa adicionar design ao tempo, o tempo determina tudo e é preciso ver esse avanço pela linha do relógio. O homem inventou um marcador digital”, desdenha, “que mais parece uma bomba-relógio”, conclui, em referência ao plano original de Santos Dumont com a engenharia de ponteiros para determinar o passar das horas.

O relógio e todo esse contexto estarão na nova vitrine de Donner no quadro Design com D, do programa da Cultura. “Tudo está virando palpável, é uma sensação indescritível para quem construiu tantos sonhos, sempre no plano virtual, como eu”, diz.

Durante a pandemia, Donner, que preserva ainda um charmoso sotaque alemão, com perfeita compreensão da língua portuguesa, refugiou-se em uma casa que comprou para os filhos em Petrópolis, região serrana do Rio, e começou a se redescobrir como designer de peças que agora levará à TV.

Desde os tempos de estudante em Viena, era fascinado pela obra do artista plástico Victor Vasarely (1908-1997), húngaro que viveu na França e tinha esferas volumosas como identidade mais forte de suas criações. E se encanta com o fato de que não haveria coincidência maior para um discípulo de Vasarely do que ser contratado por uma empresa que traz Globo no nome. “Eu tive o melhor emprego do mundo”, diz, sobre a TV dos Marinhos, da qual se desvinculou completamente há apenas quatro meses.

Nos anos 1970, quando a mãe soube que o filho queria tentar a vida no Brasil, apavorou-se, certa de que aqui só havia bananas e macacos. E não é que uma de suas primeiras criações na Globo foi a abertura de “Planeta dos Homens”, em que uma mulher saía de dentro da banana descascada por um sujeito fantasiado de macaco?

Donner se mostra ansioso para falar da nova fase, mas adora relembrar em detalhes como foi parar na sala de Walter Clark (1936-1997), então diretor-geral da Globo, e de como desenhou o logotipo da Globo em guardanapos no avião, a caminho de Viena, quando voltava para buscar sua mudança para o Rio.

Mas não foi uma contratação imediata, lembra. Clark passou nove meses sem lhe dar retorno. “Eu tenho até hoje o registro das cartas que eu mandei pra ele. Fiquei sem dinheiro. Então meu irmão me ajudou e comprou uma passagem para eu voltar para o Rio.”

Amargou ainda cinco meses no Rio até ser recepcionado por José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, que abraçou seu trabalho e lhe deu régua e compasso para cuidar de toda a programação gráfica da emissora. Em 1997, quando deixou o cargo de executivo para se tornar dono de uma rede afiliada da Globo no Vale do Paraíba, Boni voltou a convocar Donner para desenhar o visual da TV Vanguarda. Daí a evidência do DNA em comum entre a marca regional e a identidade da matriz.

“Do mundo virtual 3D nas telas de televisão, estou mudando para o mundo real, palpável, com design de tempo, de móveis, luminárias, tapetes, obras de arte e até prédios”, celebra Donner.

A série Cultura & Design está em sua 2ª temporada, com 13 episódios, e além do mundo do design, aborda arquitetura, construção e decoração em outros quadros.

Zapping - Cristina Padiglione

Cristina Padiglione é jornalista e escreve sobre televisão. Cobre a área desde 1991, quando a TV paga ainda engatinhava. Passou pelas Redações dos jornais Folha da Tarde (1992-1995), Jornal da Tarde (1995-1997), Folha (1997-1999) e O Estado de S. Paulo (2000-2016). Também assina o blog Telepadi (telepadi.folha.com.br).

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