Pode haver enchente, explosão e desemprego, mas não posso deixar a missão de criar filhas
Elas sempre vão precisar de estudo, remédio, banho e comida
Era uma segunda-feira com cara de tranquila e pacata em minha casa. Eu estava de folga depois do plantão do final de semana, o marido fazia home office, Luiza, a filha mais velha, estava na escola, e Laura, a caçula, preparava-se para mais uma tarde de aulas. Fora o pequeno imprevisto de que a faxineira não podia nos atender naquele dia, eu já havia planejado a minha tarde: cartório, supermercado, pendências escolares e produção do jantar.
Mas, parece que um vento norte varreu tudo e, em poucos minutos, o dia virou um caos. A caçula não quis mais ir para a escola, a mais velha voltou para casa doente, notícias abalaram o mundo do jornalismo (o que é bem comum) e minha avó foi internada.
Em menos de 24 horas eu estava vivendo a representação do que viria nos próximos dias: incertezas em todas as áreas de minha vida, o que, inclusive, me levou a ter uma dor nas costas que me impedia de me movimentar.
Diante de tantos problemas para resolver, tive que mudar os planos, me reinventar, repensar o dia e a semana. Além de tentar fazer valer a pena os momentos em que eu estava com minha filha.
Decidi que Luiza não iria ao pronto-socorro. Acho desnecessário levar, pois a chance de contrair outras doenças, ainda mais graves, é maior. Tratei com amor, carinho, antitérmico e antialérgico. Laura não foi para a escola. Pelo contrário, me acompanhou no supermercado, na lojinha e na produção do jantar. Renê seguiu seu trabalho, auxiliando-me no que era possível. Deixei o cartório de lado. Comprei uniforme escolar e avisei a família que só poderia visitar minha avó quando a mais velha estivesse melhor.
Mesmo assim, reinventando os dias, o que é algo comum na maternidade e no jornalismo, havia uma incerteza pairando no ar. A ansiedade tomava conta de mim e uma vontade de me entregar à tristeza rondava.
Mas não dava, não era possível. As meninas precisavam de cuidados, de estudo, de remédio, de banho, de comida. Reforçando o que eu já sei há muito tempo: eu sou mãe e essa é a única certeza que vou levar para o resto da vida.
Mesmo que o mundo esteja em ruínas, eu preciso fazer jantar, preparar lanche, perguntar se já escovaram os dentes e insistir que cada uma precisa organizar suas coisas. Tenho que escolher os legumes, definir os cardápios e fazer malabarismos para que elas aceitem cada vez mais novos alimentos saudáveis.
Pode haver enchente, explosão, incêndio, desemprego e tristeza, mas eu não posso deixar de lado a minha maior missão: criar filhas.
E assim seguimos. O jantar foi feito com carinho, as duas resolveram trocar conhecimentos sobre a vida dos polvos e eu consegui fazer a leitura noturna bem bacana.
Naquele dia, escolhemos um livro novo, que fala sobre um garoto que quer construir um muro no quarto, para dividir o espaço dele e do irmão. Naquele dia, minha pequena Laura entendeu que muros não são bacanas, que dividir o mundo não é solução para nada e que a harmonia entre ela e a irmã é o que vale.
Naquela noite, eu dormi com uma única certeza: eu sou mãe e isso não vai mudar ou parar para que eu me deite, chore e lamente a vida. Eu sou mãe e vou cuidar das minhas filhas até o fim.
A semana seguiu tensa, mas as meninas cresceram, engordaram, estão por aí distribuindo saúde e aprenderam um pouco mais sobre a existência. E eu? Estou aqui, juntando os cacos de mim, escrevendo para suportar e sabendo que eu sou mãe e essa é a coisa mais certa e necessária do mundo.
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