Colo de Mãe

Principal forma de alimentar um filho, leite materno ainda pode causar muita polêmica

Enfrentei olhares tortos, impedimento e eternas discussões

Amamentação
Amamentação - MurielleB - stock.adobe.com
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Eu decidi que queria ser mãe aos 17 anos. Foi ao mesmo tempo que escolhi a minha profissão: jornalista. Mal sabia eu que são atividades, digamos assim, completamente incompatíveis, ainda mais quando se trabalha em redação fazendo jornal diário ou com notícias pela internet.

O fato é que eu não sabia que as atividades eram incompatíveis, mas já sabia de uma coisa: eu queria ter parto normal e amamentar. Parto normal não deu certo. Na primeira filha, faltou informação, na segunda, faltou tamanho mesmo. Tenho um metro e meio e Laura, a caçula de seis anos, nasceu com 51 cm e 4,5 kg.

Mas a amamentação era uma certeza como o ar que eu respiro. Como eu sabia que seria difícil, pois o leite que seca era uma grande realidade na vida de muitas mulheres mães que eu acompanhava, decidi me informar muito. Em 2006, quando estava grávida, o plano de saúde da empresa oferecia um curso para grávidas e eu me inscrevi. Lá, uma especialista em amamentação, que também atendia no serviço público, foi essencial para o sucesso da minha empreitada. E, logo ao parir Luiza, virei uma “vaca leiteira”. Luiza, que nasceu bem menor que Laura, com 49 cm e 3,5 kg, era esfomeada. Chorou por leite materno antes mesmo que eu me recuperasse da anestesia. Ainda com dores, no hospital, ela grudou em meio peito e assim permaneceu, sem nenhum outro alimento, por seis meses.

A criança tinha tanta fome que eu cheguei a ter feridas nas coxas de ficar sentada na poltrona de amamentação. E ela mamava muito de madrugada. Mas não perdemos o sono. Dei peito deitada, de lado, sentada, na cama, na poltrona e onde mais fosse possível. A regra era: amamentá-la e dormir. Fiquei cansada? Sim. Mas nada que justificasse querer parar de dar o leite materno. Mal conseguia tomar banho? Mal conseguia. Nem comia direito. Mas sair com a gorducha era a coisa mais deliciosa do mundo.

O meu leite estava na temperatura ideal, sem contaminações, era o melhor alimento para a bebê, de graça, e era consolo de toda hora para qualquer incômodo. E como precisei consolá-la! Ela foi o tipo de bebê explorador que adorava mexer em tudo. Como resolver esse problema que incomoda geral? Dando o peito!

Quando Laura nasceu, em 2013, eu já trazia toda essa bagagem. Já havia esclarecido a meu pai que o peito à mostra, na sala, na rua, na fazenda, no shopping ou no supermercado era nada mais, nada menos do que o direito de minha bebê de ser amamentada. Já havia esclarecido a amigos, amigas e parentes que, sim, eu iria amamentar. Eu não ligava se meu peito caísse (afinal, o que derruba os seios é a lei da gravidade, tenha você filhos ou não) e já havia informado que não daria chá, água ou qualquer outra coisa antes dos seis meses.

Em São Paulo, tive muitos embates. Olhares tortos, impedimento de amamentar em muitos locais e eternas discussões sobre o fato de que uma mulher não pode mostrar o peito nas ruas.

Laura também me deu algum trabalho e o leite quase secou quando ela tinha três meses. Relactei e seguimos. As duas mamaram em livre demanda, exclusivamente no peito por, no mínimo, seis meses. Seguiram a amamentação até pouco depois de um ano e eu trabalhei muito. Trabalhei 10, 12, 14 horas seguidas, mas não abri mão de dar o leite materno para minhas filhas.

E do que eu mais tenho saudade? De curar toda dor, agonia, pressão do ar em avião e chatice em eventos com o meu peito, com meu leite, meu carinho, meu amor, em uma cumplicidade que só eu e minhas filhas tivemos. Não há nada mais maravilhoso do que, além de ser o alimento de seu filho ou de sua filha, ser o chamego, ser a companhia e a presença que acalma.

Muita gente quis dar mamadeira para elas, mas eu não deixei. Não digo isso porque sou contra as fórmulas, muito pelo contrário. Acho mágico a forma como a evolução humana nos levou a reproduzir o leite materno de forma artificial. É bom para o bebê que perde a mãe, para as que têm HIV e para quem não quer amamentar mesmo. Aprovo.

Mas, no meu caso, eu fui o alimento exclusivo de minhas meninas pelo tempo necessário, a hora que elas queriam, onde queriam e da forma que queriam. Resistir com sono, fome, cansada e trabalhando foi e é uma das grandes vitórias da minha vida. Ao lado da minha faculdade pública, sendo filha de retirantes nordestinos, e da minha amada profissão.
 

Colo de Mãe

Cristiane Gercina, 42, é mãe de Luiza, 15, e Laura, 9. É apaixonada pelas filhas e por literatura. Graduada e pós-graduada pela Unesp, é jornalista de economia na Folha. Opiniões, críticas e sugestões podem ser enviadas para o email colodemae@grupofolha.com.br.

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