Colo de Mãe

Educação brasileira tem tantos problemas que não há hino que dê jeito; vamos mudar esse cenário?

Quero uma escola pública em que a poesia faça parte do dia a dia

O ministro da educação Ricardo Vélez Rodríguez
O ministro da educação Ricardo Vélez Rodríguez - Pedro Ladeira-26.fev.2019/Folhapress
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Querido ministro Ricardo Vélez Rodríguez (Educação), tive acesso à carta escrita em seu nome, que foi enviada às escolas de todo o país. A que trata sobre o hino nacional, a filmagem do momento em que ele é cantado e a repetição de uma frase na qual acredita. Quero deixar claro que acredito em Deus, no amor e nas combinações astrológicas. Mas também acredito no ser humano, nos avanços científicos, na democracia e, principalmente, na liberdade.

Tenho algumas pontuações a fazer, querido ministro, sobre o hino nacional. Acho a letra linda. No colegial, fiz, em parceria com uma amiga, uma análise dela. Tiramos nota 10. E, ao contrário do que muita gente acredita, não era sobre Karl Marx e seu marxismo que estudávamos, mas sobre a história do Brasil e, principalmente, de nossa língua. Sua grandiosidade, sua profundidade e sua beleza.

No trabalho do colegial, aprofundamos o tema a ponto de chegar a um poema de Vinicius de Moraes, o Poetinha, escrito quando ele esteve exilado. E seus versos ainda ecoam em mim: “A pátria não é ninguém, são todos”. E “Seu nome é pátria amada, patriazinha, não rima com mãe gentil, vives em mim como uma filha”. Porque é preciso ser muito patriota neste país para poder criar filhos com dignidade, principalmente sendo mulher, ganhando menos do que os homens e tendo jornada quádrupla.

Ainda sobre o hino, ministro, ele é cantado nas escolas uma vez por semana e, confesso, eu também já filmei esse momento, escondida, para mim. Para o arquivo pessoal de minha família. Aqui faço uma pausa para informar que, naquele momento, filmei todas as crianças de costas. Foi um momento de muita emoção. Minhas duas filhas ao lado de seus amigos, todos com uniformes limpos, bem alimentados, cantando alto e forte, em um mesmo ritmo. As meninas com laços nos cabelos e os meninos com seus penteados em gel. Uma beleza.

Diferentemente do que partidários seus têm feito acreditar por aí, quando informam, falsamente, que estão ensinando nossos filhos a serem homossexuais nas escolas, que recebem um kit e que há uma cartilha de doutrinação marxista no jardim da infância. Nunca vi. Nunca li. Nunca recebi.

Foi um momento tão lindo, ministro. Mas isso ocorreu na escola que, até o ano passado, atendia minhas duas filhas (hoje atende uma delas). Uma escola particular que me custa praticamente os dois rins, que preza pela cultura, pela educação, pela ciência, pelo conhecimento e pelo respeito e que leva em conta anseios e necessidades da família.

Mas eu sei, ministro, que essa mesma sorte não é a de muitas crianças por aí. A realidade na educação brasileira, principalmente pública, é de falta de vagas, escolas caindo, violência, tráfico e medo por parte de professores, alunos, seus pais e de toda a comunidade. E nesses casos, ministro, não há hino que dê jeito.

Gostaria, portanto, de propor a você um acordo, já que, depois da primeira carta, a que respondo aqui, você voltou atrás e voltou atrás de novo. Lá em casa, a gente se propõe a cantar o hino nacional de manhã e de noite, como se fosse uma oração. Mas, para isso, quero escola PÚBLICA e de QUALIDADE (e aqui a caixa alta é muito importante) para todos. Quero minhas filhas em uma escola com carga horária de, no mínimo, oito horas, com atividades extraclasse, sem que eu precise levá-las e buscá-las várias vezes ao dia, com natação, canto, dança, lutas e esportes. Seria bom ensiná-las a tocar instrumentos e que tivessem aulas de culinária.

Quero também uma escola pública pela qual não precisemos pagar nada além dos nossos caros impostos, na qual a merenda escolar não seja industrializada e que o respeito às diferenças de religião, raça e região do país sejam quase como lei. Quero ainda, ministro, uma escola em que a matemática seja importante e que se ensine a necessidade de pagar impostos, pois sonegar é, a meu ver, o pior crime cometido neste país.

Mas quero, sobretudo, uma escola pública em que a poesia faça parte do dia a dia e a filosofia seja ensinada de forma lúdica e atrativa. E desejo, principalmente, uma escola pública cujo lema seja “liberdade acima de tudo, democracia acima de todos”. Com unidades do Oiapoque ao Chuí, nos rincões e nos sertões.

Agora

Colo de Mãe

Cristiane Gercina, 42, é mãe de Luiza, 15, e Laura, 9. É apaixonada pelas filhas e por literatura. Graduada e pós-graduada pela Unesp, é jornalista de economia na Folha. Opiniões, críticas e sugestões podem ser enviadas para o email colodemae@grupofolha.com.br.

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