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Biblioteca da Vivi

Sylvia Plath, a morte, o feminismo e a vida mundana dos seres geniais

'Johnny Panic' e outros textos em prosa revelam face inédita da escritora


A artista Sylvia Plath na mocidade rodeada por livros
A poeta Sylvia Plath (1932-1963), que falou sobre paquera, amores, briga com a mãe, sonhos e muitas vezes ficou marcada por ser hermética - Reprodução / New York Times
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Volto de férias com algumas notícias boas para contar. Prossegui na leitura da nova tradução do competente Rubens Figueiredo de "Guerra e Paz" (Kindle R$ 44,90; e capa dura 157,52), clássico escrito pelo russo Tolstói entre 1865 e 1869.

É a primeira vez, pasme, que a obra é traduzida diretamente para o português, sem passar por tropeços com o francês e o italiano. É ainda a primeira vez que o leitor brasileiro tem acesso aos trechos que Tolstói (1828-1910) originalmente fez questão de manter em francês (daí a profusão de notas de rodapé do catatau, dividido em dois tomos).

E descobri muitas semelhanças com o período em que estamos vivendo: principalmente quando os russos demoraram a perceber que os franceses liderados por Napoleão eram uma ameaça real e só se deram conta disso quando estavam no front, morrendo na batalha. Para o leitor menos sagaz, foi bem o que ocorreu com o desencontro de informações que nos causaram tantas perdas no início e no decorrer da pandemia do coronavírus.

Se essa leitura me encheu de referências históricas e me ajudou a compreender melhor a trajetória da humanidade (será mesmo que a calmaria só vem após a matança e vice-versa?), encarei com simpatia a congratulação do Prêmio Nobel de Literatura à poeta norte-americana Louise Glück , aos 77 anos. Infelizmente, no Brasil temos apenas trechos de suas obras traduzidos em periódicos, como os sete poemas traduzidos por André Caramuru Aubert para o jornal Rascunho.

Um dos motivos da congratulação, segundo a Academia Sueca, foi "por sua inconfundível voz poética, que torna universal a existência individual". Lembrada de forma unânime pela crítica como uma das artistas mais talentosas de sua geração, Louise é conhecida pela precisão técnica, sensibilidade e uma obra sobre solidão, relações familiares, divórcio e morte. O Prêmio pode inclusive ajudar a trazer ao Brasil mais traduções de uma das principais vozes femininas de último século. Torçamos, pois sua poesia é simples, sem aparatos rebuscados e é agradável em primeira leitura.

Uma dessas autoras, mais conhecida que Louise, porém sem um Nobel de suporte (tem contudo um Pulitzer), é a também americana Sylvia Plath (1932-1963). Em comum, embora haja diferenças estilísticas, ambas têm o poder de transcender a literatura pessoal, tornando-a arte que carrega os elementos humanos mais elementares.

E não estranhe, leitor, com o fato de o nome central desta coluna ter aparecido apenas no quinto parágrafo. De alguma forma, na estrutura, todos os temas tratados até aqui estão relacionamos com o feminismo, a morte e a transformação do mundo.

Pois bem: nas prateleiras à revelia de Sylvia (ela nunca quis lançar esses textos em vida), "Johnny Panic e a bíblia de sonhos e outros textos em prosa" (R$ 59,90; 464 págs.) acaba de ser publicado, em pleno momento de isolamento social (e, porque não, da alma?), pela Biblioteca Azul, selo para exemplares sofisticados da Globo Livros. Bela a ilustração de capa de Karina Freitas.

Conhecida por seus poemas e pelo único e autobiográfico romance "A redoma de vidro" (R$ 59,90, 280 págs.), Sylvia Plath (e talvez os letrados ortodoxos mais caretas não gostem) escreveu desde muito cedo para revistas e jornais literários (muitas vezes sobre momentos do dia a dia feminino, algo cumprido com maestria e igual talento pela genial Clarice Lispector no Brasil). Seus textos passaram a ser organizados em livro somente 15 anos após a sua morte.

"Johnny Panic e a bíblia de sonhos e outros textos em prosa", com apresentação da escritora canadense Margaret Atwood ("O Conto da Aia"), reúne os contos reproduzidos na primeira publicação deste livro, em 1977, outros posteriormente liberados pela mãe da autora, além de textos jornalísticos e trechos de seus diários. Contemplam dos 17 ao último ano de vida de Sylvia, de trás para frente, cronologicamente. A impressão é mesmo a de volta no tempo.

O sufocamento feminino e a vontade de ser aceita pela sociedade e por seus diversos pretendentes fizeram da escritora alguém sempre disposta a corresponder. Mesmo que isso lhe tirasse constantemente a paz de espírito. É o caso de "Caixinha de desejos" e "Mães". Qual não seria a surpresa de Sylvia ao se deparar com seus textos não publicados subitamente nas mãos de outrem?

Biblioteca da Vivi

Vivian Masutti, 35, é jornalista formada pela Cásper Líbero e bacharel em letras (português e francês) pela USP (Universidade de São Paulo), onde também cursou a Faculdade de Educação e obteve licenciatura plena em língua portuguesa. No Agora, é coordenadora da Primeira Página.

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