'Dá vontade de colocá-lo em uma caixinha', diz Othon Bastos sobre o amigo Paulo José
Amigos falam sobre o ator que marcou cinema, teatro e televisão
"Dá vontade de colocá-lo em uma caixinha, como uma joia que não queremos perder." É assim que o ator Othon Bastos define o amigo Paulo José que, aos 81 anos, luta contra a doença de Parkinson há mais de 20 anos.
Querido como amigo e idolatrado como profissional, Paulo José é homenageado com o documentário "Todos os Paulos do Mundo", dirigido por Gustavo Ribeiro e Rodrigo de Oliveira, em cartaz nos cinemas. E uma de suas filhas, a atriz Ana Kutner, também faz tributo ao pai no espetáculo "Passarinho".
"Todos nós sempre fomos apaixonados por ele. Paulo é um desses raros atores que acompanhou a história do cinema brasileiro, fazendo filmes icônicos em todas as décadas, de 1960 até hoje", diz Rodrigo de Oliveira.
O documentário recria a biografia do ator utilizando cenas de seus trabalhos. "Como a voz dele já está frágil por causa do Parkinson e não cabia fazer uma longa entrevista, encontramos essa solução: contar a história desse homem por meio das mentiras que ele produziu como ator", diz o cineasta.
Narrações com Selton Mello, Mariana Ximenes, Fernanda Montenegro e outros ajudam a recontar a história. Conhecedor da obra de Paulo José, Oliveira se impressiona em como ele fez parte do cinema autoral e, ao mesmo tempo, conseguiu cativar o espectador mais popular pela TV.
"O maior sucesso foi 'Shazan e Xerife', que era radical, poético e diferente. Ele conta que até hoje gente na rua o reconhece por isso. Já disseram que ele foi a Xuxa daquela geração", brinca. Paulo José ainda foi protagonista de importantes filmes, como "O Padre e a Moça" (1966) e "Macunaíma" (1969).
Em meio a essa trajetória tão bem-sucedida, uma de suas filhas, a atriz Ana Kutner, faz uma viagem pelo seu emocional na peça "Passarinho", em cartaz na capital. "É um monólogo que eu escrevi sobre relações afetivas. Não chego a nomear os meus pais, mas claro que passa por eles, que estão inseridos na minha memória de uma maneira muito particular. Não só como atores, mas como pai e mãe", diz Ana Kutner, que é filha do ator com a atriz Dina Sfat.
Ana conta que assistiu à estreia do documentário ao lado do pai. "Ele adorou. Os diretores conseguiram mostrar a importância dele."
Não há quem não adore Paulo José. Segundo Oliveira, as portas naturalmente se abrem sempre que o nome do ator é citado. "Quando eu dizia que estávamos fazendo uma homenagem a ele, as pessoas já topavam participar. Recebi até ligação de Fernanda Montenegro", celebra o cineasta.
Quem confirma é o amigo e colega de trabalho de Paulo desde os anos 1970, o ator Othon Bastos. Ele diz que Paulo é querido não só por seu talento, mas pela pessoa que é. Os dois trabalharam juntos na televisão, no teatro e no cinema. "Ele é uma pessoa digna, e o ego dele nunca está em primeiro lugar. Ele ajuda os colegas e demonstra admiração pelo trabalho dos outros. Nunca vê ninguém como competidor. Sempre que pudemos trabalhamos juntos."
Bastos acrescenta ainda que Paulo é um artista completo. "Ele dirigia, fazia cenografia, figurino. Tudo. Ele dedicou a vida a isso", lembra Bastos. "Paulo levou até o teatro para a televisão, naquela série 'Aplauso', que teve adaptação de ‘Vestido de Noiva’, de Nelson Rodrigues", lembra, citando a atração global dos anos 1970.
Para Bastos é triste não poder ver o amigo ainda na ativa. "A gente fica preocupado, mas vê como ele luta heroicamente contra essa doença. A sua vontade de viver é impressionante. A última vez que nos vimos em um aniversário, dei um abraço que durou 200 anos", brinca o ator.
"VULCÃO DE CRIATIVIDADE"
Diagnosticado com a doença de Parkinson há mais de 20 anos, o ator Paulo José continuou trabalhando e participou de projetos importantes, como o filme "O Palhaço", de Selton Mello, e "Meu País", de André Ristum, ambos de 2011.
"O Paulo é um vulcão de criatividade. Ele fez um papel difícil, vivendo um pai que morria e deixava os filhos, em um momento tão frágil da vida dele. Mas quando entrava em cena, ele explodia", diz o cineasta André Ristum. "Foi um processo rico do ponto de vista profissional e pessoal. É muito bom poder conviver com alguém tão incrível. Quando gravamos esse filme, em 2009, ele já sofria com a doença, mas se mantinha ativo. Passamos alguns dias hospedados em um hotel e, todas as noites, ele descia para tocar piano por horas. Ele dizia que se via próximo do fim da fila na vida, mas isso já faz dez anos e ele segue aí!"
O ator Luis Miranda diz que viveu momentos inesquecíveis com o ator nas filmagens do longa "Quincas Berro D’ Água" (2010). "Tive a experiência mais generosa do mundo com ele. Mesmo com problemas de saúde, Paulo filmou como um herói, cheio de disponibilidade."
Na história, ele interpreta Quincas, personagem que curte com os amigos mesmo depois de morto, tendo seu corpo levado para todo canto. "Nós criamos um boneco para carregar, mas ele fez as cenas. Sentíamos que estávamos levando um diamante."
RELEMBRE A TRAJETÓRIA DO ATOR
Pelas suas próprias contas, atuou em mais de 18 peças, 40 filmes, 15 novelas, cinco seriados e 20 teledramas
1937 Nasce Paulo José Gómez de Souza, em Lavras do Sul (RS)
1947 Aos dez anos, descobre-se ator ao participar de uma peça de teatro na escola. Ele não só atua como sugere uma mudança no espetáculo
1958 Em Porto Alegre, ajuda a criar companhia Teatro de Equipe, com Paulo César Pereio, Lilian Lemmertz, Ítala Nandi e Fernando Peixoto
1961 É convidado a fazer parte do Teatro de Arena e passa a viver em São Paulo. Estreia nos palcos com "Testamento de um Cangaceiro", de Chico de Assis, sob direção de Augusto Boal, e "Revolução na América do Sul", de Boal
1965 Casa-se com a atriz Dina Sfat (1938-1989), com quem faz diversos filmes e tem as filhas Bel, Ana e Clara Kutner. No período, faz filmes que se tornariam clássicos na história do cinema nacional, como "O Padre e a Moça", de Joaquim Pedro de Andrade (1932-1988)
1966 Contracena com Leila Diniz (1945-1972) em diversos filmes dirigidos pelo também parceiro Domingos de Oliveira, como "Todas as Mulheres do Mundo". O longa lhe rende um dos três prêmios de melhor ator que ele venceu no Festival de Brasília
1969 Com a mulher, Dina Sfat, estrela o premiado "Macunaíma", dirigido por Joaquim Pedro de Andrade e inspirado na obra de Mário de Andrade (1893-1945). No mesmo ano, estreia na TV, na novela “Véu de Noiva”, de Janete Clair (1925-1983)
1972 Experimenta seu primeiro grande sucesso na TV, com "O Primeiro Amor", de Walther Negrão. Interpretou o mecânico-inventor Shazan, que compunha uma dupla bem-humorada com Xerife, personagem de Flávio Migliaccio. A dupla ganha uma série depois, "Shazan, Xerife e Cia"
1980 Dirige diversos programas na TV Globo. Nessa década, assume o "Caso Verdade", que nasceu como novo incentivo à dramaturgia
1989 Casa-se com a atriz Zezé Polessa. No mesmo ano, atua na novela "Tieta", da Globo ((FOTO))
Início dos anos 1990 É diagnosticado com doença de Parkinson
1997 Separa-se de Zezé Polessa
2000 Recebe o Troféu Oscarito no Festival de Gramado pelo conjunto de sua obra
2006 Faz parte do elenco do divertido longa "Saneamento Básico, o Filme", de Jorge Furtado
2010 Tem atuação marcante na versão de "Quincas Berro D’Água", de Jorge Amado (1912-2001), para os cinemas
2012 Ganha o Grande Prêmio Brasileiro de Cinema como melhor ator coadjuvante por seu papel no filme "O Palhaço"
2014 Faz a novela “Em Família”, escrita por Manoel Carlos
2018 Atualmente é casado com a figurinista e cenógrafa Kika Lopes
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