Criadores de 'Will & Grace' focam gays de meia-idade em nova série: 'Mistura de nossas vivências'

"Acho que 'Will & Grace' fez mais para educar o público americano do que qualquer outra coisa que alguém já tenha feito", disse certa vez Joe Biden sobre a comédia protagonizada por um casal de amigos nova-iorquinos: um advogado gay e uma decoradora heterossexual.

A frase dá a dimensão da importância cultural que a sitcom teve. Em 1998, quando estreou, não havia protagonistas abertamente homossexuais na TV aberta americana ("Ellen", estrelada por Ellen DeGeneres, havia sido cancelada no ano anterior, quando viu sua audiência desabar após a personagem sair do armário).

Quase três décadas depois, os criadores Max Mutchnick e David Kohan tentam repetir o sucesso da empreitada com uma nova sitcom centrada no universo LGBTQIA+. Trata-se de "Modernos de Meia Idade" (tradução pouco inspirada de "Mid-Century Modern"), que estreia nesta sexta-feira (28) no Disney+.

A história gira em torno do ricaço Bunny, do avoado Jerry e do fashionista Arthur, três amigos gays na faixa dos 50 anos (ou que já passaram dela), interpretados respectivamente por Nathan Lane, Matt Bomer e Nathan Lee Graham. Eles decidem morar juntos após um quarto integrante do grupo morrer e perceberem que são a família sem laços sanguíneos um do outro.

"Os personagens vieram antes do enredo", afirma Mutchnick ao F5. "Sabíamos que queríamos escrever sobre uma geração mais velha porque estávamos nos tornando uma geração mais velha. Começamos apenas a falar sobre personagens. E, uma vez que nos fixamos nesse grupo, encontramos a história que queríamos contar."

Mutchnick, aliás, foi ele próprio uma das inspirações para o personagem Will Truman, vivido por Eric McCormack em "Will & Grace". A amizade da dupla de protagonistas foi calcada na relação dele com uma amiga. Desta vez, ele diz que cada personagem é uma combinação de experiências dele e do parceiro de trabalho.

"Tenho dito que Matt Bomer realmente reflete a maneira como eu me vejo agora, acho que isso é claro para todos", brinca, destacando o galã do trio. "Talvez Bunny tenha mais a ver com o judeu neurótico que eu sou. Mas esses personagens são realmente composições de ambas as nossas vivências."

Kohan, que é heterossexual, conta como a equipe equaliza temáticas densas como envelhecimento e luto na comunidade gay com o tom cômico das situações. "Na sala dos roteiristas, todo mundo está falando sobre suas próprias experiências, algumas delas difíceis", diz. "E o tom simplesmente evolui a partir dessas conversas."

Na frente das câmeras, o trio de protagonistas é vivido por atores que também são gays, mas Kohan afirma que isso não foi necessariamente uma imposição deles. "Você quer a melhor pessoa para o papel", explica. "Um homem gay terá uma compreensão mais profunda da experiência gay, mas pode não ser necessariamente o melhor ator para esse papel."

Mutchnick, porém, diz que ficou feliz que os escolhidos tenham essa bagagem. "Teria sido um pesadelo do jeito que o mundo está agora", afirma sobre a possibilidade de ter um heterossexual no papel de um gay na série —essa foi uma das principais críticas a "Will & Grace" na época de seu lançamento.

Refletindo sobre esses quase 30 anos de diferença, a dupla acredita que houve avanços na forma como os LGBTQIA+ são representados no audiovisual. "Uma vez que você tem precedentes estabelecidos, você pode construir em cima desses precedentes", avalia Kohan.

Ele deixa claro, no entanto, que isso nem passa pela cabeça deles quando estão escrevendo as piadas que vão ser ditas nas cenas. "Não pensamos nesses termos", comenta. "Não estamos pensando sobre qual é o próximo passo evolutivo para a representação queer na mídia. O que estamos pensando é: 'Ei, aqui está uma ideia que gostamos. Vamos fazer isso'."

Mesmo assim, Mutchnick demonstra uma certa preocupação com possíveis retrocessos na questão da diversidade em outras frentes. "Temos um estúdio e uma rede muito abertos por trás de nós e estamos apenas contando histórias humanas sobre um grupo de amigos e tentando fazer o máximo de pessoas possível rir toda semana", afirma. "Espero que a política não atrapalhe nada disso."