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Cinema e Séries
Descrição de chapéu The New York Times Televisão

Após espiã ardilosa, Keri Russell muda de lado e defende reputação dos EUA em 'A Diplomata'

Atriz de 'Felicity' e 'The Americans' volta em série de roteirista de 'Homeland' e 'The West Wing'

Keri Russell posa para foto em Nova York - Celeste Sloman/The New York Times
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Alexis Soloski
Nova York
The New York Times

A atriz Keri Russell fez uma parada em um canto do Brooklyn Bridge Park para admirar um pássaro. Era primavera, uma quinta-feira recente, mas o clima parecia discordar, e Russell, vestida discretamente, enfrentava o vento com botas grandalhonas e um casaco preto estofado. O seu cabelo estava revolto. Traços de delineador eram aparentes em seus olhos, talvez um suvenir do excesso de margaritas consumidas com amigos na noite anterior. Ela não lembrava muito uma mulher que dedicou anos de sua vida a solapar o projeto democrático americano. Ou uma mulher agora encarregada de salvaguardá-lo.

Mas Russell foi essas duas mulheres (e muitas outras além delas). Neste ponto da sua carreira, ela é provavelmente mais conhecida por suas seis temporadas como Elizabeth Jennings, uma agente infiltrada soviética com uma ambiciosa coleção de artimanhas e perucas, em "The Americans", série da rede FX que valeu à atriz três indicações ao Emmy. Agora, Russell está desempenhando um papel oposto. Na série "A Diplomata", que estreou na quinta-feira (20) na Netflix, ela estrela como Kate Wyler, uma sábia funcionária pública americana encarregada de defender a reputação dos Estados Unidos no exterior.

Embaixadora veterana, Kate está a ponto de assumir um novo posto em Cabul, Afeganistão, quando um incidente internacional faz com que ela e seu marido, Hal (Rufus Sewell), sejam enviados a Londres. Uma casa aristocrática inglesa não é uma zona de guerra, mas Kate se comporta como se o fosse. Usando como blindagem sapatos de saltos altíssimos e vestidos justo, ela trata até mesmo as conversas educadas que surgem em qualquer evento como manobras de campo de batalha. Mas, deixando de lado o modo de operação de "The Americans", seu trabalho é quase totalmente lícito. Ela não usa perucas.

Enquanto alguns gansos canadenses ajeitavam as penas nas imediações, Russell discorria sobre as disparidades entre os dois papéis. "Foi divertido ser a vilã, fazer coisas sorrateiras", ela disse. Mas "A Diplomata" também tem seus prazeres, insistiu. "É maravilhoso ser inteligente e capaz de dar um bronca nas pessoas sem perder muito a pose", ela disse.

Se Elizabeth era vilã, será que isso faz de Kate a mocinha? Russell deu um sorriso cauteloso. "Vamos esperar para ver", ela disse.

Russell começou a sua carreira como dançarina adolescente em "The Mickey Mouse Club", e depois estrelou a série "Felicity", no papel de uma estudante universitária cheia de caprichos, a santa padroeira das garotas indecisas em todo o planeta. Ela não antecipava necessariamente passar o período intermediário de sua carreira interpretando mulheres altamente competentes, mas que, ao mesmo tempo, deixam entrever as dúvidas internas que servem de alicerce a essa competência. Além de interpretar Elizabeth e Kate, ela também apareceu recentemente como mãe indomável na comédia de terror "Urso do Pó Branco" e como uma assassina fria, se não especialmente eficaz, em "Extrapolations - Um Futuro Inquietante".

Felicity não se teria distinguido nem na espionagem e nem na diplomacia de alto risco. "Felicity escreveria um poema sobre o assunto", disse Russell. Mas isso foi há 20 anos. Russell, em pessoa é franca, sem frescuras, encantadoramente boca-suja e tão sincera que encoraja candura semelhante da parte dos outros, o que significa que agora ela tem muito material comprometedor sobre mim. Russell tem dois filhos com o ex-marido Shane Deary, e um filho pequeno com seu companheiro, Matthew Rhys, que estrelou com ela "The Americans".

"As mães são assim", ela disse sobre suas recentes personagens muito capazes. "Fazem com que as coisas aconteçam. Uma mãe pode fazer 37 coisas num só dia!"

Russell vem a esse parque, perto da casa que divide com Rhys e com seus filhos, nas raras ocasiões em que tem uma manhã livre. Às vezes, antes de a maioria das pessoas estar acordada, ela anda de bicicleta nas trilhas do parque. "É um lugar lindo, com muita coisa acontecendo", ela disse, apontando o rinque de patinação, as quadras de basquete, um gramado, a vista inesquecível de Manhattan do lado oposto do East River.

Mas pelo menos nos últimos 12 meses, essas manhãs livres se tornaram mais raras. Foi durante o feriado de Natal de 2021, quando Russell se ofereceu para cozinhar o jantar para os três conjuntos de avós de seus filhos, que ela recebeu os roteiros para "A Diplomata". Com Rhys já afastado de casa durante parte do ano, para filmar a sombria versão repaginada de "Perry Mason" para a HBO —"eu estava ocupada fazendo com que ele se sentisse culpado por não estar em casa", disse a atriz— ela não estava à procura de outro papel principal.

Ainda assim, alguma coisa na ambição e na inteligência de Kate, bem como o humor de suas disputas conjugais com Hal, a convenceu a aceitar. Ela fechou acordo para a série em uma conversa por vídeo com a criadora do programa, Debora Cahn, uma veterana de "Homeland" e "The West Wing".

Cahn queria Russell para o papel, confiando em que Kate iria se beneficiar da beleza, graça e capacidade de transmitir emoções da atriz mesmo por meio de personagens que controlam e reprimem os seus sentimentos. Mas Kate era uma proposta mais neurótica do as que personagens passadas de Russell —suficientemente bonita para ser o tema de uma edição de Vogue inspirada pela série, mas também suarenta, insegura, e com muita angústia por trás da pose.

"Há uma parte de Kate que sente comichões e tremores, e parece sempre desconfortável em sua própria pele", disse Cahn em uma recente entrevista telefônica.

Russell é uma mulher que mantém uma pose muito mais equilibrada, presumiu Cahn, mas ela conhecia a habilidade de sua escolhida como atriz. Sabia que ela seria capaz de interpretar esse desconforto. E, no entanto, ao ver Russell se contorcendo durante a conversa por vídeo, percebeu que algum desconforto também fazia parte do pacote da atriz.

"Fico muito nervosa", confirmou Russell no parque. "Eu transpiro, mesmo, muito". (Ela não parecia estar suando no parque, embora isso talvez se devesse ao frio.)

Essa contradição –glamour aparente, mas acompanhado por ansiedade social oculta— ajudou Cahn a explorar a tese de "A Diplomata", a de que que todos transpiram, mesmo (ou especialmente) os corpos no poder.

"No Palácio de Buckingham, no Grande Salão do Povo, toda as pessoas que estiverem lá continuam a ser humanas, e sujeitas a vazamentos", disse Cahn.

Kate, na série, diz a mesma coisa em tom mais ácido: "Você mostra às pessoas as partes bonitas porque, pode acreditar, é só isso que qualquer pessoa quer ver", ela diz.

O esforço que Kate faz para manter um verniz impecável ressoou em Russell, ainda que em grande parte porque ela nunca teve muita paciência ou talento para os aspectos públicos de sua profissão —as entrevistas, as cerimônias de premiação, os momentos em que ela precisar apresentar uma versão idealizada de si mesma. Ela costumava se criticar por esse mal-estar, mas passou a aceitá-lo. "Eu sou assim, é o que sou", disse.

E, no entanto, sets de filmagem são lugares onde ela sempre se sentiu em casa. "A Diplomata" foi filmada no terceiro trimestre de 2022, principalmente em Londres e em locação. Sewell ainda não conhecia Russell, a sua mulher na série, quando a encontrou no trailer de cabelo e maquilagem, mas ficou impressionado com a sua abertura e facilidade de convivência.

"Ela foi imediatamente muito amistosa, cordial e acessível", ele disse. "Pensei automaticamente que seria relativamente simples trabalhar com ela, porque ela é muito divertida."

Divertida não é necessariamente uma descrição que alguém aplicaria a Kate ou que Kate aplicaria a si própria. Por mais suarenta que Russell sinta ser, ela se move pelo mundo, ou pelo menos pelo parque, com muito menos tensão e estresse. (E ela é divertida. A certa altura, ela pegou o telefone e mostrou uma foto que a mostra com uma peruca loira pálida e cara de maluca, em uma cena excluída de "The Americans". Ela envia a fotografia aos amigos quando é hora de festejar. "Nós agora não deixamos que ela beba chardonnay", disse a atriz sobre a mulher da foto.)

Enquanto Kate é uma criatura ambiciosa, Russell sempre encarou seu trabalho com mais leveza, mesmo quando ela se empenha em oferecer atuações vívidas e intensas.

"Quando estou no trabalho, trabalho arduamente", ela disse. "Quero ser boa". Mas ela fez uma distinção entre seu trabalho e o de Rhys, embora os dois dividam muitos projetos (eles também estão em "Extrapolations - Um Futuro Inquietante" e "O Urso do Pó Branco").

"Ele gosta de estar ocupado", disse a atriz. "Já eu gosto de nunca estar ocupada. Gosto de andar sem rumo e vaguear pelo parque."

Ela tinha chegado perto do rio. O sol dava um tom dourado à água cinzenta. Patos nadavam por lá. Diferentemente de Kate, ninguém precisava de Russell para salvar o mundo hoje ou para suar até encharcar as roupas enquanto neutralizava uma nova crise. A competência extrema podia esperar. Ela só precisava encontrar o seu caminho de volta através do parque e mandar uma mensagem de texto a Rhys para ver se ele podia se encontrar com ela em um restaurante italiano próximo. Entre as 37 coisas que uma mãe precisa fazer a cada dia, só sobrava tempo para uma cerveja antes de ir buscar as crianças na escola.

Tradução de Paulo Migliacci

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