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Cinema e Séries
Descrição de chapéu The New York Times Filmes

Michelle Williams conta como foi interpretar 'mãe' de Steven Spielberg em 'Os Fabelmans'

No filme quase autobiográfico, atriz é um instrumento para o diretor compreender suas origens

Michelle Williams posa para retrato no Long Island Bar, em Nova York - Sinna Nasseri/The New York Times
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Kyle Buchanan
Nova York
The New York Times

"Você é realmente organizada", eu disse a Michelle Williams. "Sou de virgem", ela respondeu.

Era uma tarde chuvosa de final de novembro, e Williams estava sentada à minha frente em um café no Brooklyn, e irradiava o tipo de prazer que só surge quando alguém consegue planejar seu dia com perfeição. Durante a nossa conversa, os três filhos da atriz estavam todos ocupados e contabilizados: a adolescente Matilda estava na escola, Hart estava fazendo a sesta e o bebê recém-nascido de Williams não precisava ser alimentado pelos próximos 90 minutos.

Que todas essas coisas tivessem acontecido ao mesmo tempo era nada menos que um milagre maternal, e embora o marido de Williams, o cineasta Thomas Kail, estivesse fora da cidade, a mãe da atriz estava em Nova York para ajudar com as crianças, liberando Williams para chegar ao café com os olhos arregalados e a cara de susto de alguém que tivesse acabado de realizar um grande assalto.

"É uma pausa perfeita e livre de toda culpa, porque ninguém precisa de mim no momento", disse Williams, embora tenha apontado que não é fácil satisfazer as exigências do trabalho de divulgação de um filme e amamentar seu bebê ao mesmo tempo. "Sou só um item na agenda de outra pessoa, porque eu sou a comida."

Ainda assim, ela vem fazendo tudo o que pode para promover "Os Fabelmans", um drama familiar quase autobiográfico dirigido por Steven Spielberg no qual Williams, 42, interpreta Mitzi, uma personagem que Spielberg baseou em sua própria mãe. Embora ela tivesse deixado de lado os sonhos de ser pianista de concerto para cuidar da família, Mitzi cria seus filhos como se a atividade fosse só mais um campo em que exprimir a criatividade: um dia ela enfia as crianças no carro às pressas para perseguir um tornado e, em outro, ela impulsivamente compra um macaco como animal de estimação para a família.

As pessoas talvez vejam aquela excêntrica personagem e a considerem exagerada, mas Mitzi parece contemplar sua vida com a ideia de que aquilo que ela tem não é suficiente. Ela é casada com Burt (Paul Dano), um cara certinho e chato, mas na verdade é apaixonada pelo melhor amigo dele (Seth Rogen), uma transgressão que seu filho, Sammy, aspirante a cineasta, só percebe quando coloca Mitzi à frente de sua câmera. A sensação é a de que Spielberg também está usando Williams como um instrumento para compreender melhor a mãe, que já morreu. O cineasta raramente pareceu tão deslumbrado por uma protagonista, e filma Williams com o mesmo espanto e admiração que Sammy exibe ao filmar a mãe do personagem quando ela parece perdida em um momento de devaneio artístico.

Williams já recebeu indicações ao Globo de Ouro e Critics Choice Awards por seu desempenho eletrizante no filme. "Sempre trabalhei o máximo que pude a fim de me preparar para o momento em que um papel como esse surgiria", ela disse. No Gotham Awards, que homenageou Williams em novembro, ela traçou seu retrospecto até a novela adolescente "Dawson's Creek", na qual estrelou aos 16 anos em companhia dos atores James Van Der Beek e Katie Holmes.

"Ela parecia tão diferente dos outros garotos, uma criatura com vida própria mesmo àquela altura", disse a atriz Mary Beth Peil, que interpretava a avó de Williams na série. "Trabalhando com ela naquele período, eu via uma honestidade quase dolorosa. Essa é uma das principais coisas que aprendi com ela, que a câmera é capaz de ver a honestidade. E isso é a raiz de cada lufada de ar que ela respira."

O que motivou Williams a tentar uma carreira como atriz ainda tão jovem? "Servia como um substituto para a autodeterminação", disse Williams, "como se talvez eu pudesse obter consideração pela mulher que representava e essa consideração de alguma forma se transferisse mim, uma pessoa que eu ainda não sabia como habitar, na verdade". À medida que envelhecia e conquistava papéis em peças off-Broadway ou filmes independentes como "O Agente da Estação", a sensação para Williams era a de que "eu recebia um pedacinho de alguma coisa, e guardava aquilo comigo". "Eu recolhia aqueles pedaços, os carregava, e eles começaram a se acumular."

Indicada ao Oscar por "O Segredo de Brokeback Mountain", "Namorados para Sempre" e "Manchester à Beira-Mar", e muito elogiada pelos filmes naturalistas que fez com a diretora Kelly Reichardt (a nova colaboração entre elas, "Showing Up", sai neste ano), Williams se estabeleceu como uma atriz de primeira linha, capaz de uma autenticidade sem retoques. Mas ela está interessada em tentar trabalhos em um registo mais elevado, como fez em 2011 ao interpretar Marilyn Monroe em "Sete Dias com Marilyn" e em 2019, ao retratar a dançarina Gwen Verdon em "Fosse/Verdon", uma série para o canal FX que lhe valeu um Emmy.

Spielberg, que escreveu "Os Fabelmans" com Tony Kushner, disse, via email, que "ela tem uma energia secreta que ficou evidente quando interpretou Gwen Verdon. Isso contribuiu muito para fazer dela a minha primeira escolha para o papel de Mitzi".

Williams diz que essa transição para atuações mais vistosas e mais estilizadas exigiu um esforço concentrado; pessoalmente, ela é muito mais contida, e sua presença é tão discreta quanto o penteado emo que usa com frequência. "É bom para mim viver daquele jeito durante algum tempo, porque aquele não é o meu lugar natural", disse Williams, sorrindo, ao recordar o quanto tinha precisado expandir sua personalidade para personificar Mitzi Fabelman. "É a coisa mais maravilhosa que se pode tomar de empréstimo."

Abaixo, trechos editados da nossa conversa.

Muitas vezes, quando vemos filmes autobiográficos que mostram alguém amadurecendo, as mães não recebem destaque. Mas em "Os Fabelmans", a dinâmica entre mãe e filho parece ser a história central.
Mal pude acreditar, quando comecei a virar as páginas do roteiro. Meu marido estava comigo na sala, e eu não parava de dizer: "Isso só melhora". Muitas vezes, quando você recebe um roteiro, encontra uma grande cena e pensa, "oh, essa cena vai ser o destaque". Mas nesse caso eram páginas e mais páginas de vivacidade deslumbrante e bela. Quando terminei, disse ao meu marido: "É um banquete". Eles a transformaram em um banquete.
Demorei muito tempo a entender o material, porque as palavras e ideias são puro Kushner, mas através da lente de Steven Spielberg. Portanto, são cinematográficas e teatrais ao mesmo tempo, o que é algo que realmente me interessa e em que tenho me concentrado deliberadamente desde que voltei a fazer teatro. Faço muita preparação antes de um filme, e havia muita coisa a agarrar. A sensação era mais parecida com a de fazer uma minissérie, porque o material era tão rico.

Qual é a parte mais difícil para você ao fazer o papel de uma pessoa exuberante como Mitzi?
No começo da minha carreira, eu fazia sitcoms, comerciais de televisão, novelas, e comecei a ver aquele outro estilo de atuação, o chamado naturalismo. Queria trabalhar daquele jeito, mas tinha de aprender o que era e como habitar aquele estilo, e quando senti que tinha chegado ao lugar a que desejava pertencer —como no caso dos filmes que fiz com Kelly Reichardt, e de cada filme independente que fiz até aos 30 anos—, o próximo passo que eu quis dar era na direção de algo mais expressionista. E isso me parecia uma distância muito maior a percorrer.
Senti que a jornada dos meus 20 anos era encontrar uma forma autêntica de me centrar para que me sentisse natural em minha própria pele e pudesse oferecer isso a outras mulheres que eu representasse, mas depois eu quis deixar para trás aquela pele, completamente, e encontrar formas inteiramente novas de me relacionar com personagens que nem sempre me traziam nelas, e que não me prenderiam a ser eu mesma pelo resto da minha vida profissional. Isso exigia que eu me desmontasse e depois me reconstruísse à imagem de outra pessoa, e que fizesse escolhas maiores.

O que você acha que a atraiu para personagens mais estilizadas?
Acho que uma das coisas que percebi sobre o naturalismo –que continua a ser o lugar onde vivo, acabei de fazer o meu quarto filme com Kelly Reichardt— é que também queria fazer um trabalho que deixasse uma marca e que não estivesse aberto a projeção. Queria fazer trabalhos com que um espectador tivesse de lidar, e nos quais houvesse menos interpretação da parte dele, porque interpretação é na verdade o meu trabalho. Sinto que Mitzi é um desses personagens, como Gwen e Marilyn, e como o trabalho que fiz no teatro. Mas foi preciso muito aprendizado e muitos erros ao longo do caminho para que eu me sentisse confortável ao deixar minha pele.

Imagino se esse espectro que abarca do naturalismo à estilização não estava em você desde o início. Mesmo em algo como "Dawson's Creek", você tinha páginas e mais páginas de diálogo denso e estilizado e teve de encontrar uma maneira de fazer com que parecesse natural.
Era tanto diálogo, meu Deus. Doze páginas por dia, realmente prolixo. E, sim, as situações e cenários com que trabalhávamos em "Dawson's Creek" eram um pouco mais acentuados.

Creio que as pessoas apreciam o fato de que você não rejeita a série, e que na realidade fez questão de traçar uma linha que remonta a "Dawson's Creek" em seu discurso do Gothams.
Talvez exista uma ligação entre a primariedade e o duradouro, por isso restabeleço constantemente a ligação com o tempo em que trabalhei em "Dawson's Creek", já que cada projeto que termino me faz recordar aquilo, de alguma forma. Mas foi um treinamento incrível, porque você também aprende coisas realmente fundamentais, por exemplo a ter uma conversa com alguém olhando a pessoa nos olhos, mas ao mesmo tempo olhando para baixo a fim de sempre atingir sua marca. É o tipo de coisa técnica que pode parecer um pouco tolas e pequena mas ainda me serve muito bem.

E também é engraçado que, na série, Dawson fosse tão obcecado por Spielberg, e agora você interpreta a mãe de Spielberg.
Oh, é muito estranho! Eu sei. É muito estranho.

Como você se sentia, antes de começar a filmar "Os Fabelmans"?
A sensação era a de uma corrida que está para começar, você está posicionado no partidor, sentindo uma comichão nos pés, uma sensação de prontidão. Era uma sensação desse tipo.

O que a entusiasmou tanto em personificar Mitzi?
Acima de tudo, é bom ser ela. Mitzi era uma pessoa cheia de música, e por isso sempre havia uma vibração emocional a percorrer seu corpo. Penso na escala do piano, e aquele era o seu alcance: o mais grave que ela pode alcançar, e o mais agudo, e conter tudo aquilo dentro de você por algum tempo é emocionante. E também penso na forma pela qual ela aborda tantas coisas, a ideia de "isso não vai ser divertido? Isso não vai criar lembranças excelentes para minha família?" Havia criatividade em todos os aspectos da sua vida, da maneira pela qual ela brincava com as crianças até sua forma de se vestir e seu corte de cabelo. Ela era uma artista até a ponta dos dedos.

Fale-me do seu cabelo, porque esse corte em capacete e franja é um look marcante.
O cabelo foi a primeira coisa de que falamos. Ela era muito ciente de que o penteado ficava lindo –usou colarinhos Peter Pan a vida toda, e eles caíam espetacularmente bem— e aquele corte de cabelo curvo era a sua assinatura. Quando você olha para fotografias dela, parecem retratos de cinema, porque ela parecia uma personagem. Mitzi foi sua própria criação, e toda a sua vida e a vida dos seus filhos foram obras de arte. Em última análise, é isso que ainda me dá arrepios, como mãe de três filhos. Não consigo pensar numa coisa melhor a que aspirar.

Você sente a mesma coisa? Quer a criar vidas para seus filhos que sejam como obras de arte?
É a minha aspiração. Veremos, quando eles crescerem, como me saí.

Spielberg encerra o filme pouco depois de Mitzi deixar o marido por outro homem, mas o que você sabia sobre o resto da vida da mãe dele que a tenha ajudado a orientar a maneira pela qual pensava sobre Mitzi?
Anos mais tarde, ela e o pai de Steven voltaram a se aproximar, e viveram seus anos finais juntos. São histórias de amor sobrepostas, e é por isso que a história é de partir o coração, porque o amor não tinha desaparecido entre aquelas duas pessoas —tinha mudado e se transformado em outra coisa. Ainda havia amor suficiente na relação deles para manter uma família, mas cada pessoa tem uma vida só, e o amor que eles tinham não era suficiente para fazê-la ficar. Para mim, foi uma decisão muito corajosa! E por isso nunca a entendi como sendo egoísta, ou desequilibrada. Em minha opinião, ela era uma mulher que vivia de forma muito verdadeira, muito expressiva e muito corajosa, e transmitiu esse dom a cada um dos seus filhos porque eles a viam viver daquela forma.

Muitos entendidos consideram que você seria uma ganhadora garantida do Oscar se fosse indicada para o prêmio de atriz coadjuvante por esse papel, mas, em vez disso, você preferiu ser identificada como atriz principal, em uma disputa por prêmios muito competitiva.
Acho que essa discussão aconteceu fora do grupo central de pessoas que fizeram o filme, e não sei bem por que é que existe um desacordo. Embora eu não tenha assistido ao filme, as cenas que li, as cenas que preparei, as cenas que filmamos, as cenas que os outros me dizem que ainda fazem parte do filme, são parecidas com as experiências que tive ao desempenhar papéis considerados como principais. Portanto, para mim, ou para qualquer pessoa envolvida no filme, creio que estávamos todos de acordo sem precisar discutir.

Você ainda não assistiu a "The Fabelmans"?
Não consigo assistir ao meu próprio trabalho. Penso que a última coisa que vi foi "O Atalho", em um cinema com minha filha, o que quer dizer que já faz quase uma década.

Mas por quê?
Quando estou trabalhando em alguma coisa, sinto-me completamente dentro do filme, e quando transito para a posição de espectadora, isso altera a minha experiência - e a experiência é, em última análise, o motivo de eu fazer o trabalho. Não consigo alternar entre as duas formas de estar envolvida em contar histórias, se bem que eu gostaria de ser forte o bastante para me assistir, e descobrir o que gostaria de ajustar tecnicamente e depois aplicar essas observações ao próximo trabalho. Tentei fazer isso, mas reagi mal. Fico mais feliz e talvez seja mais saudável que eu me atenha apenas à minha minha experiência pessoal de interpretar essas mulheres.

Isso tornou mais tenso o final das filmagens de "Os Fabelmans"? Porque aquela era a última experiência que você teria com a personagem.
No nosso último dia, eu lamentei como se alguém tivesse realmente morrido. Foi um choque para mim o pesar que senti ao me despedir da mulher que tinha habitado e das relações que ela tinha com os outros personagens. Ainda sinto saudades de ser aquela pessoa e de ter aquele espírito correndo pelas minhas veias, e por isso é bom recordá-la, e recordar a urgência daquele período de filmagens. Quando você está fazendo alguma coisa, sente-se que o mundo inteiro está disponível como material –as coisas todas pulsam, qualquer coisa é possível–, mas, depois que as filmagens terminam, você volta para a mesa do café da manhã. O que eu adoro, obviamente, porque continuo a ter filhos.

Você parece se enfronhar nessa parte de sua vida com igual prazer.
É uma maneira excelente de viver, de certa forma, oscilar entre as duas realidades de uma experiência de trabalho incrivelmente completa e depois uma vida incrivelmente doméstica. Gosto da extremidade de ambas, mas outra coisa que essa experiência me deu foi o lembrete de tentar sintetizar os dois lados do meu cérebro.
Na minha vida real, sou muito prática, muito organizada. Estou sempre fazendo listas, e me sinto bem quando completo as tarefas que as listas contêm; já minha vida profissional é um lugar onde deixo tudo de lado e me permito viver sem restrições de tempo e ordem e certo e errado. Quero ter mais disso em minha vida cotidiana. Ela não precisa ser tão linear, e Mitzi é o meu melhor lembrete sobre isso. Assim que descobriu o que queria, ela não perdeu tempo em fazê-lo. É como todos deveríamos viver, você não acha?

Tradução de Paulo Migliacci

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