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Ralph Macchio Tonje Thilesen - 04.out.22/The New York Times

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Nicholas Cannariato
The New York Times

Interpretar Daniel LaRusso em "Karatê Kid - A Hora da Verdade" tornou Ralph Macchio famoso pelo resto da vida. Durante décadas, pessoas que ele encontrava ao acaso lhe contavam onde estavam quando viram o filme-pipoca, lançado em 1984, pela primeira vez, ou como a história dele, o garoto fracote que supera todos os obstáculos, os afetou. Mas uma fama tão abrangente também teve seu lado negativo.

Ao tentar levar adiante a sua carreira de ator, Macchio não conseguia deixar o papel para trás. Ele disse que algumas vezes se sentiu até sufocado por isso, depois de deixar para trás o jovem de 22 anos, aberto a novas experiências mas ainda assim vulnerável, cujo personagem no filme aprende a importância de encontrar o equilíbrio, na vida e nas artes marciais.

Quase quatro décadas mais tarde, ele escreveu um livro de memórias, "Waxing On: The Karate Kid and Me", sobre a realização do filme, e sobre como ele moldou —e continua a moldar— sua vida.

O livro está confortavelmente isento de escândalos ou exemplos de comportamento autodestrutivo, mas há uma ambivalência palpável ao longo de suas 241 páginas, ainda que em última análise o tom se incline ao otimismo.

Depois de encerrar as gravações da quinta temporada de "Cobra Kai", série na qual o ator retoma o personagem de LaRusso e se provou surpreendentemente popular na Netflix, Macchio parece ter feito as pazes com aquilo que ele agora chama de "um presente maravilhoso".

Quando ele contempla o passado, escreveu Macchio, o filme original serve como "um excelente exemplo dos momentos em que Hollywood faz tudo certo. É um trabalho que ensina e inspira por meio do entretenimento puro"

No terraço ensolarado do topo de um edifício na parte sul de Manhattan, certa manhã recente, Macchio, 60 —mas que não parece de jeito nenhum já ter 60 anos, mesmo sem os óculos de sol—, exibia a simpatia acessível que sempre foi a marca de sua carreira. É algo que ele e Daniel LaRusso, "o garoto da casa ao lado, de todas as casas ao lado", têm em comum, ele explicou –um garoto que "de maneira alguma deveria vencer em seja lá o que fosse".

Macchio cresceu em Long Island, e assistia aos musicais de cinema da MGM com sua mãe. Não demorou para que ele começasse a fazer aulas de sapateado, nos intervalos entre os jogos de beisebol de seu time infantil e a ajuda ao pai no trabalho todos os sábados. (O irmão dele se interessou mais pelos negócios da família, uma lavandeira e uma empresa de caminhões-tanque.)

Além dos papéis em peças escolares e recitais de dança, Macchio começou a fazer audições para comerciais, o que o levou a ser selecionado para dois comerciais da goma de mascar Bubble Yum. Depois de seu primeiro filme, "Rebeldes da Academia", e de uma temporada na série "Eight Is Enough", da rede de TV ABC, ele conquistou o papel que mudaria sua carreira, como Johnny Cade, um adolescente desnorteado em "Vidas Sem Rumo", de Francis Ford Coppola, contracenando com outros ídolos adolescentes promissores como C. Thomas Howell e Matt Dillon.

Quando voltou para casa, Macchio, que estava com 21 anos, foi chamado para uma nova audição. O roteiro se baseava em um artigo jornalístico sobre um garoto maltratado que aprende artes marciais para se defender. O filme seria dirigido por John Avildsen, que tinha comandado "Rocky, um Lutador", um clássico sobre superação e o triunfo do mais fraco.

"Lembro-me de que senti afinidade pelo aspecto do relacionamento entre pai e filho, e que gostei do coração da história desde o começo", escreve Macchio sobre sua primeira leitura do roteiro. Mas ele achou que "alguns dos personagens na parte do roteiro que lidava com a vida dele na escola eram meio cafonas e estereotipados".

Outra coisa o incomodava: o título. Macchio achava que era um nome ridículo. "Quero dizer, dá pra imaginar?", ele escreve. "Se eu conseguisse o papel e o filme fizesse sucesso, eu teria que carregar aquele rótulo pelo resto da vida!"

Para Robert Mark Kamen, que escreveu o roteiro do filme, Macchio era a escolha natural para o papel: ele tinha a mistura certa de uma atitude combativa e vulnerabilidade emocional que o personagem requeria.

"Ele era bem afiado. Ele era inteligente", disse Kamen em uma entrevista por telefone. "E se entrasse em uma briga, não tinha outra maneira de se defender que não ser engraçadinho. Era exatamente como o personagem".

Depois, a década de 1980 começou a deslizar rumo à década de 1990. Macchio sentiu que estava ficando velho demais para o personagem, mas o personagem não parecia se sentir jovem demais para ele —pelo menos na opinião da indústria de entretenimento.

Em 1986, com "Karatê Kid 2" em cartaz nos cinemas e um terceiro filme da franquia já programado, Macchio teve a oportunidade de estender seu alcance, como o filho problemático do traficante interpretado por Robert De Niro no drama "Cuba and His Teddy Bear", na Broadway.

"As coisas todas estavam acontecendo rápido demais", recordou Macchio na entrevista. "Eu gostaria de ter curtido mais o momento. Lá estava eu, dividindo o palco com De Niro todas as noites".

Em uma entrevista por telefone, De Niro disse que admirava o equilíbrio e a ética de trabalho de Macchio. "Gostar dele como pessoa era fácil, e também me identificar com ele no trabalho que estávamos fazendo", disse o ator. "Desde o começo tínhamos alguma coisa na qual basear nosso trabalho".

Mas nos bastidores, as frustrações pessoais de Macchio só cresciam e esses momentos estão entre os mais reveladores do livro.

Certa noite, o famoso diretor de cinema Sidney Lumet estava na plateia. Nos bastidores, depois da peça, Lumet disse que estava planejando um filme, "Peso de um Passado", no qual gostaria que Macchio interpretasse "um papel significativo", recorda Macchio no livro.

O problema era que o momento previsto para a rodagem de "Peso de um Passado" por Lumet estava em conflito direto com o cronograma de produção de "Karatê Kid 3 – O Desafio Final", em outro estúdio.

"O navio de ‘Peso de um Passado’ estava para zarpar", escreve Macchio, "e eu fui consignado ao meu porto de escala original". (River Phoenix foi indicado para um Oscar pelo papel que teria cabido a Macchio.)

Em outra noite de espetáculo, Warren Beatty visitou de surpresa o camarim de Macchio. O jovem ator revelou suas frustrações; Beatty o aconselhou, sugerindo que ele procurasse um equilíbrio entre seus sucessos comerciais e suas demais ambições. "Não desdenhe aqueles filmes", escreve Macchio, recordando o que Beatty lhe disse. "Você precisa deles tanto quanto precisa disso" (ou seja, da peça com De Niro).

Um ponto alto foi sua escalação para "Meu Primo Vinny", ao lado de Joe Pesci e Marisa Tomei, em 1992. A filha de Macchio nasceu naquele mesmo ano, e seu filho chegaria três anos mais tarde.

Ainda assim, ele escreve sobre os anos 90, enquanto "estávamos planejando o crescimento de nossa família em Long Island... minha carreira teve pouco ou nenhum crescimento próprio. O futuro estava se aproximando e continuava a ser uma incógnita, e o desconhecido era assustador para mim".

Os agentes dele propuseram a ideia de fazer uma série de televisão, mas o contrato de desenvolvimento levou a apenas alguns episódios, que nunca foram ao ar. Macchio decidiu fazer curtas-metragens e escrever roteiros.

"Eu me basearia naquilo que aprendi com os Avildsen e os Coppola do mundo", ele escreve. "Mantive-me criativamente realizado e próspero durante aqueles anos em que os trabalhos como ator diminuíram. Encontrei meu equilíbrio, no trabalho e na família".

Então, em 2018, veio "Cobra Kai", idealizada pelos criadores Jon Hurwitz, Josh Heald e Hayden Schlossberg.

Macchio voltaria a interpretar Daniel LaRusso, mas desta vez como um homem de meia-idade, com família, embora continuasse aberto a uma rivalidade com Johnny Lawrence e o "dojo" Cobra Kai, se bem que desta vez com um pouco mais de complexidade. Convencer Macchio a assinar exigiu boa dose de persuasão.

"Eu entendia onde me encaixava na construção de 'Cobra Kai' e na narração da história", ele disse. "Se a série fracassasse e terminasse cancelada, eu provavelmente diria que, pois é, eu estava certo. Era algo que me preocupava. Mas tudo correu bem".

A nova série, ele disse, compreende o que transformou "Karatê Kid" em um favorito dos fãs. "Pais e filhos, intimidação, redenção, superar obstáculos, encontrar seu caminho, cair sem perder terreno, ralar os joelhos, machucar as mãos, se erguer, descobrir como ir em frente".

No livro, Macchio reconhece que em "Cobra Kai" o tom "às vezes é diferente", mas afirma que existe "no coração da série um território que ela compartilha com o filme". É esse tipo de abertura emocional que o roteirista, Kamen, viu no ator décadas atrás.

Após o término da entrevista, Macchio entrou no elevador, a caminho do saguão do edifício. Outras pessoas entraram também. Alguém o reconheceu, e pediu uma foto. "Sou só o cara do elevador", ele disse, com um sorriso.

Traduzido oficialmente no inglês por Paulo Migliacci

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