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Cinema e Séries
Descrição de chapéu The New York Times Cinema

Após 30 anos, 'As Supergatas' ganha convenção e reúne milhares de fãs

Série com Betty White expandiu base de fãs e personagens viraram ícones gays

Artistas drag fazem compras na Golden-Con Evan Jenkins - 22.abr.22/The New York Times

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Erik Piepenburg
Chicago
The New York Times

Bird Milliken cria cartões comemorativos cujo tema é a série "The Golden Girls – As Supergatas", sob o rótulo Lipstick on a Turd. O conselho dela? Todo mundo deveria procurar um homem que goste de assistir a "As Supergatas".

"Isso revela alguma coisa sobre eles, que suas antenas e receptores estão abertos a algo mais profundo", disse Milliken, que virou notícia no ano passado ao fazer um protesto diante da casa de Bill Cosby na Pensilvânia. "Chego a me arrepiar quando digo isso –'As Supergatas’ não é como as outras séries. Não é como "Who’s the Boss?’".

Milliken não era a única a sentir arrepios: ela foi uma das 3.500 pessoas que se reuniram em Chicago no final do mês passado para a Golden-Con, a primeira convenção de fãs dedicada ao seriado "As Supergatas", sobre quatro mulheres já não tão jovens, mas afáveis, sarcásticas e muito interessadas em sexo, que dividiam um aconchegante bangalô, decorado com estampas florais ousadas e confortáveis móveis de vime, em Miami.

​A sitcom ganhadora do Emmy, criada por Susan Harris, esteve em cartaz por sete temporadas (1985-1992), na rede de TV NBC —no Brasil, ela foi ao ar na Globo a partir de 1987—, e foi seguida por uma série derivada, "The Golden Palace", que durou só uma temporada (1992-1993), na CBS.

Nas três décadas transcorridas desde que saiu de cartaz, é como se "As Supergatas" jamais tivesse partido nios Estados Unidos. Exibida frequentemente nos serviços de streaming e nas reprises das redes de TV, a série expandiu ainda mais sua base de fãs e transformou as personagens em ícones da comunidade LGBTQ, atraindo as gerações mais jovens com sua sensibilidade gay cortante, humor malicioso e perspectivas progressistas sobre amizades e a família escolhida. (As sete temporadas estão disponíveis no serviço de streaming Hulu.)

Nos três dias da Golden-Con, os fãs puderam interagir e conviver em meio a uma família escolhida que os une, e muitos compareceram vestidos como suas personagens favoritas: a robusta professora Dorothy Zbornak (Bea Arthur); a sensual beldade sulista Blanche Devereaux (Rue McClanahan); a amável mas burrinha Rose Nylund (Betty White); e a desbocada mãe de Dorothy, Sophia Petrillo (Estelle Getty), uma imigrante da Sicília.

Na convenção, o espírito ousado da série –confinado em piscadas, grunhidos e insinuações– pôde florescer sem censura. Os participantes da Golden-Com, em sua maioria homens gays e mulheres hétero, corriam de uma mesa redonda a um descontraído jogo de perguntas e respostas, e a sessões de autógrafos reverentes. Drag queens, incluindo um grupo chamado The Golden Gays, circulavam em roupas de malha da década de 80, exibindo ombros nus ou mangas em estilo morcego. Vendedores ofereciam sacolas, camisetas e uma quantidade chocante de porta-copos com o logotipo e imagens das "Supergatas".

Na Golden-Con, ninguém dizia "tchau", mas sim "obrigado por ser uma boa amiga", o verso inicial da grudenta canção-tema da série. Como descreveu Jim Colucci, autor de "Golden Girls Forever: An Unauthorized Look Behind The Lanai", em uma entrevista anterior à conferência, o evento "traz de volta a sensação de assistir à série na companhia de sua mãe ou de sua avó".

E as pessoas não conseguiam se segurar. Por todo o espaço da convenção, o clima era festivo, com gritinhos e abraços, e as conversas variavam com facilidade da nostalgia amistosa ao humor malicioso. Os rostos presentes eram predominantemente brancos. Mas ninguém atraiu mais atenção do que quatro mulheres negras, as irmãs Shalanda Turner, Catrina Parker, Sharon Turner-Wingba e Lashanda Bailey, que compareceram vestidas como Turkey Lurkey, Henny Penny, Goosey Loosey e Peter Pan, em uma referência a um episódio da temporada seis.

Chantelle Edwards, 44 que veio de Indianápolis para o evento, parou para elogiar as fantasias. Ela declarou que era "refrescante ver outras mulheres negras por aqui", porque "não há tantas pessoas negras assim que sejam entusiastas de ‘As Supergatas’". "E se há, são mulheres", ela disse. "Amam a série porque ela fala de irmandade e porque, não importa que idade você tenha, continua a precisar de suas amigas".

Uma ausência notável era a das atrizes da série. White, a última sobrevivente entre as integrantes do elenco, morreu em dezembro, pouco antes de seu 100º aniversário.

A morte de White conferiu uma ressonância emocional ampliada à Golden-Con, criando uma situação diferente da que existia em 2020, quando Zach Hudson e dois amigos, os irmãos Brad e Brendan Balof, começaram a desenvolver a ideia. Originalmente anunciada como um evento menor que aconteceria em um centro comunitário LGBTQ, a convenção atraiu uma resposta tão "maciça", quando proposta, disse Hudson, que eles decidiram transferi-la ao Navy Pier, que tem um salão de baile imenso e oferece vistas abrangentes do Lago Michigan.

"Com base naquela reação, achei que o momento certo era agora", disse Hudson, 44, que em sua vida "civil" trabalha como assistente social especializado em serviços de saúde para idosos. Ele estimou que o custo de produção da convenção foi de US$ 420 mil (R$ 2 milhões), e estava confiante em que não terminaria no vermelho.

Os nomes principais da Golden-Con não eram figurões dos mais recentes sucessos de Hollywood, como costumamos ver na ComicCon. Eram quase todos atores e roteiristas da geração baby-boom, criadores das tiradas e das cenas insinuantes da série, que não hesitava em colocar em jogo, ainda que de modo imperfeito, questões controversas como a Aids e o racismo.

Stan Zimmerman, um dos roteiristas da primeira temporada de "As Supergatas", disse que a mistura de comédia tradicional e de temas oportunos era o motivo para que o programa continuasse a ser um peso pesado na cultura pop.

O cenário das comédias da década de 1980 "não girava em torno de quatro mulheres conversando sobre situações reais", disse Zimmerman. "Mas era isso que amávamos como escritores".

Nenhuma das pessoas associadas ao programa parecia desimportante, aos olhos dos participantes da convenção. Havia filas para conhecer Bonnie Bartlett, 92, atriz premiada com o Emmy que interpretou Barbara Thorndyke, uma das vilãs favoritas dos fãs, em um único episódio da terceira temporada.

E Cindy Fee estava lá. Aos 28 anos, ela era uma cantora muito requisitada em Los Angeles na época em que a série começou a ser produzida, e foi ela que cantou a canção-tema, em uma sessão de gravação muito curta.

"Eu não conhecia a canção antes de chegar ao estúdio, mas isso era bem comum no ramo –a maioria de nós era muito competente em ler partituras", disse Fee, cuja voz também ajudou a vender cereais matinais e aspiradores de pó. "Eles tocaram a canção, e eu comecei a cantar. É uma música fácil de cantar porque a melodia é adorável".

A multidão rugiu como se Fee fosse Lady Gaga, quando ela cantou o tema da série na noite de abertura da Golden-Con. E os aplausos foram ainda mais intensos para o convidado surpresa que ela trouxe: Aaron Scott, cuja gravação do tema, em estilo gospel, atraiu mais de 6,3 milhões de visitantes ao YouTube em 2016.

Até mesmo a mobília causava devoção, como uma relíquia em um templo visitado por peregrinos. Richard Carrington, 38, e seu parceiro, Bryan Brozek, foram de carro à convenção, de Cañon City, Colorado, levando um sofá e cadeiras que formavam parte da mobília da sala de visitas da série e que eles adquiriram por US$ 9.000 (quase R$ 45 mil) de uma empresa californiana que fornece objetos de cena para o cinema e TV. Carrington disse que as peças nunca tinham saído de sua casa até a convenção.

Ele disse que os fãs "querem só chegar perto, colocar as mãos nos móveis, sabendo que o elenco os usou". "Um sujeito chegou a fazer uma mesura diante da mobília", ele disse.

O mais perto que os fãs chegaram de um contato com uma das Golden Girls originais foi a participação da bióloga Melinda McClanahan, irmã de Rue McClanahan. A bióloga, que está semi-aposentada, disse que sua famosa irmã "teria ficado pasma por alguém prestar tanta atenção e dedicar tanto carinho a Blanche Devereaux".

Se havia um fã ideal na convenção, era Chase Bristow. Nascido no quinto aniversário da estreia da série —ele exibiu a licença de motorista para provar o fato— Bristow é tão dedicado a "Supergatas" que alterou seu perfil no Uber e agora usa o pseudônimo Blanche, quando motoristas da companha chegam para apanhá-lo em sua cidade, Daytona Beach, Flórida, Blanche.

Bristow ecoou a opinião de muitos fãs ao dizer que assistir a "Supergatas" era como um bálsamo que ajudava a curar as grandes e as pequenas feridas da vida.

"Quando meus pais me expulsaram de casa porque sou gay, a primeira coisa que fiz ao sair pela porta foi assistir a ‘Supergatas’", disse Bristow, que usava uma camiseta com os dizeres "Dorothy na rua, Blanche entre os lençóis", e tem uma tatuagem das Golden Girls no braço. "É como aquele grande abraço que você sempre deseja ganhar de uma avó".

Contatado depois do evento, Hudson, um dos organizadores, disse que além de propiciar diversão, a Golden-Con também tinha criado um espaço acolhedor para fãs que "percebem ter algo em comum, como pessoas que sentem ter sido excluídas". Ele já está planejando uma segunda edição para 2023, talvez em Chicago, ainda que muitos dos fãs tenham lhe dito que Miami faria mais sentido.

Como acontecia com as próprias Golden Girls, o que os fãs desejavam –e mereciam– era "amizade e conexão", ele disse. "E foi isso que encontraram na Golden-Con".

Traduzido originalmente do inglês por Paulo Migliacci

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