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Kanye West, ou Ye, em cena do documentário 'Jeen Yuhs: Uma Trilogia Kanye', da Netflix

Kanye West, ou Ye, em cena do documentário 'Jeen Yuhs: Uma Trilogia Kanye', da Netflix Netflix

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Joe Coscarelli
The New York Times

"Jeen-yuhs: A Kanye Trilogy", documentário em três partes da Netflix sobre a ascensão de Kanye West, não se detém muito nos, ou busca corrigir o histórico quanto aos, relacionamentos às vezes conflituosos entre o rapper e outras celebridades. George W. Bush, Taylor Swift, Donald Trump e Kim Kardashian mal são mencionados. Afinal de contas, West nunca foi lacônico quanto a analisar suas encrencas.

Em lugar disso, aproveitando imagens casuais que registram os preparativos e as reações imediatas ao lançamento do disco de estreia de West, "The College Dropout", em 2004, o documentário de mais de quatro horas de duração se concentra em momentos mais discretos, anteriores à fama: conversas entre ele e sua mãe, Donda, sobre a diferença entre confiança e arrogância; o desespero de tentar tocar seu CD demo para colegas completamente desinteressados; um artista mais respeitado expressando nojo pelo aparelho ortodôntico de West.

Por trás das câmeras o tempo todo estava Clarence Simmons, um humorista stand-up transformado em documentarista e conhecido como Coodie que, em dupla com seu parceiro de criação, Chike Ozah, vem acumulando vídeos sobre West há mais de 20 anos. Mas o plano nem sempre foi esse.

Originalmente concebido como um longa-metragem ao estilo de "Basquete Blues", o documentário deveria parar no começo da década de 2000 quando West –hoje conhecido legalmente por Ye, seu antigo apelido– conquistou seu primeiro Grammy. Mas à medida em que ele se desenvolvia, de um criador meio nerd de beats para Jay-Z, em Chicago, a um artista polarizador e capaz de definir uma era na música, moda e mais, West se distanciou de Coodie, um amigo de seu bairro de juventude, e mudou de ideia com relação ao projeto, o que deixou centenas de horas de gravações no limbo.

Depois de algumas largadas falsas e breves reconciliações, a dupla de diretores, Coodie & Chike, o nome que eles levam nos créditos de seus trabalhos, enfim conseguiu ganhar impulso –e mais tempo com West– nos últimos anos, em meio a uma nova onda de controvérsias. Os problemas de saúde mental de West, sua desastrosa candidatura à Presidência dos EUA em 2020 e o recente álbum que leva o nome de sua mãe, morta em 2007, recebem alguma atenção no terceiro episódio.

Mas o cerne de "Jeen-yuhs: A Kanye Trilogy" continua a ser a descrição documental dos anos de formação de Kanye; Coodie preenche as lacunas contando sua história pessoal de metamorfose e ambição criativa. "Esta não é a história definitiva de Kanye West e sim a história contada da perspectiva mais única", disse Ian Orefice, presidente da Time Studios, uma das produtoras envolvidas no projeto.

Antes do lançamento do primeiro episódio, no último dia 9, Coodie e Chike discutiram a longa gestação do documentário, os altos e baixos de viver ao lado de uma pessoa megafamosa e as exigências de último minuto de West quanto à edição final do projeto. Abaixo, trechos editados da conversa.

O filme começa com a premissa de que vocês sempre souberam que Kanye se tornaria famoso. O que os convenceu de que ele seria um astro, naquele momento?
Coodie:
Tudo começou com o trabalho dele como produtor. Mas depois eu me encontrava com ele toda hora e me lembro quando ele se apresentava com seu grupo, o Go-Getters. Ele simplesmente dominava o palco. Eu imediatamente pensei que "esse é o cara! O produtor –ele é o cara!" E também percebi o quanto ele amava a câmera. Ele estava disposto a cantar para qualquer um, e era como se estivesse se apresentando para mil pessoas, mesmo que ele estivesse cantando para uma pessoa só.

Qual foi o motivo original de Kanye para não lançar o filme na época? Nas cenas gravadas, ele parece muito entusiasmado ao dizer às pessoas que vocês estavam fazendo um documentário.

Coodie: Ele disse que, "cara, não quero que ninguém veja meu eu real". E disse que "estou atuando agora". Era íntimo demais. Mas sinto que o motivo por que ele amava ser filmado por mim, no começo, estava em que, cara, eu era popular em Chicago –um sujeito cool, engraçado.

Chike: Você aumentou o valor da marca dele em Chicago instantaneamente ao decidir convidá-lo para cantar no "Channel Zero" [o programa de hip-hop que Coodie apresentava em um canal de TV de acesso local].

Coodie: A maior ambição era que ela ganhasse um Grammy, e eu queria acompanhá-lo quando isso acontecesse. Mas com certeza foi uma bênção que o filme não saísse naquele momento, porque eu não fazia a menor ideia do que estava fazendo.

Como foi acompanhar o resto da ascensão dele à distância?
Coodie:
Fiquei muito orgulhoso de ele ter realizado todas as coisas que estava realizando. Mas também me senti excluído. Como quando ele foi ao programa de Oprah, eu pensei: "Eu também quero conhecer Oprah".

Chike: Nem tudo foi bacana e agradável. Acho que esse é o caso de todo mundo que está subindo ao estrelato daquela maneira. Coodie e eu com certeza sentimos como as coisas são quando pessoas de fora chegam e começam a batalhar por posição. Por um instante, tivemos aquele clima de Bryan Barber e o Outkast –tipo, todos nós vamos subir juntos e vamos fazer esses vídeos de dança. Mas quando ele ganhou fama, mais pessoas começaram a entrar no grupo e terminamos empurrados para fora. Por sorte, Coodie e eu tínhamos um relacionamento forte e conseguimos encontrar criatividade em outros lugares.

Naquela altura, vocês acreditavam que o projeto estivesse morto ou sempre presumiram que um dia voltariam a ele?
Coodie:
Eu sentia que voltaríamos a ele ainda. Costumava assistir às gravações que tínhamos e, quanto mais famoso ele ficava, mais eu sabia o quanto minhas imagens se tornariam valiosas. E um dia, Deus querendo, aquilo iria acontecer.

Ele conversou conosco na mesa da casa de Kris Jenner, pouco antes de ‘Pablo’ [o disco ‘Life of Pablo’, de 2016], e disse: ‘Cara, as pessoas me entendem errado o tempo todo’. Ele pediu que nós fôssemos sua voz. Imaginávamos que aquela era a hora de o documentário sair para as pessoas poderem ver o verdadeiro Kanye. Ele estava trabalhando com Scooter Braun, na época, e estávamos na HBO com o projeto. Mas de repente eles tinham planos diferentes para Kanye. Nós estávamos lá, prontos, mas tudo saiu errado.

A sensação para mim era a de que Kanye estava pedindo ajuda naquele momento. Pouco depois ele começou a turnê Saint Pablo e foi então que ele teve um colapso nervoso –que ele chama de uma "revelação". Fiquei muito, muito preocupado. Imaginei que era nossa obrigação ajudá-lo, mas não podíamos por causa das pessoas que o cercavam. Eu fiquei não só preocupado com isso, mas também furioso.

Em um nível mais prático, como é que você guardou todas aquelas fitas em segurança?
Coodie:
Na verdade não as guardei com cuidado. Estavam em uma mochila, em caixas de sapatos.

Chike: Mas há pepitas de ouro nelas.

Coodie: Agora elas estão armazenadas!

Quando é que você soube que tinha a aprovação completa dele?
Coodie:
Quando eu lhe mostrei a qualidade das imagens. Ele me ligou, do nada, e disse que estava trabalhando em um disco sobre sua mãe e que queria usar algumas das minhas imagens. Ele pediu minha permissão e eu respondi que "com certeza, mas eu também preciso de sua aprovação para uma coisa. Me diga onde você está e vou até aí encontrá-lo". O segurança dele me ligou e perguntou se eu podia ir à República Dominicana na manhã seguinte. E quando lhe mostrei as imagens, ele disse que "precisamos lançar isso amanhã mesmo".

Existe um momento nas imagens da República Dominicana quando ele desembesta a fazer um daqueles discursos agressivos clássicos de Kanye, e você corta a gravação. Por quê?
Coodie:
Senti que eu precisava prestar atenção. Eu nunca o tinha filmado daquele jeito. Quando o filmo, ele se comporta de uma determinada maneira comigo. Ele é quem ele é. Mas naquele momento, ele não era quem ele realmente é. Se você está tomando certos remédios, não deve misturá-los com álcool. Eu sabia que Kanye não deveria estar bebendo. Mas por acaso ele tinha uma bebida na mão. Eu não ia interromper uma reunião de negócios para dizer alguma coisa, mas tive vontade. Parece que imediatamente depois daquela bebida, algo aconteceu e eu disse: "Melhor esquecer a câmera. Esse cara é meu irmão".

Quando o filme estava aprovado, o quanto ele quis se envolver e o quanto você quis que ele se envolvesse?
Coodie:
Ele disse, "vamos fazer isso, nós dois", e eu respondi que ele precisava confiar em mim. O que significa que ele não teve controle criativo. Eu lhe disse que não seria autêntico se ele tivesse controle. Ele entendeu o que eu quis dizer. E foi assim.

E aí você está na cara do gol, mais de 20 anos mais tarde, e ele começa a postar no Instagram querendo controle sobre a edição final.
Coodie: Eu quase desmaiei. [Risos.] Foi no meu aniversário –18 de janeiro. Ele não postou essa exigência naquele dia, mas comecei a receber mensagens de texto. E eu: ‘O quê? O filme está pronto!’.

No aniversário dele [em junho], fui a Los Angeles com uma primeira edição do filme para mostrar a ele. Disse que a única maneira de assistir ao filme era com todas as pessoas que estavam por lá no começo e o amavam. Por isso, conseguimos uma casa, chamei todo mundo e estávamos prontos para rir, chorar e abraçar Ye, mas ele viajou ao sul da França e não rolou. Recebi aquela mensagem de texto. E aí as pessoas chegaram, com um bolo e cantando "Parabéns a Você".

Ele voltou a pedir acesso à sala de edição?
Coodie:
Não, o processo dele era pedir que alguém visse o filme; mostramos o filme a essa pessoa. Perguntei a Kanye se ele tinha assistido ao filme e ele respondeu que não é esse o seu processo.

Os filmes que fizemos, ninguém teve direito de edição final. Fizemos um documentário sobre Martin Luther King –a família dele não teve direito de edição final. Fizemos um filme sobre Muhammad Ali –mesma coisa. Stephon Marbury só viu seu documentário quando o filme passou no festival de Tribeca. Nossa intenção é pura, e isso é tudo que importa.

Vocês tiveram que cortar coisas por falta de tempo ou houve algo que não conseguiram encaixar no filme por mais que se esforçassem?
Chike:
Há uma cena em que Kanye volta a Chicago para se apresentar em um tributo às vítimas da tragédia no E2 [um desastre em uma casa noturna]. E ao chegar lá, ele tem de resolver uma encrenca com outro rapper. Quase leva uma garrafada na cabeça –as coisas ficam feias. E poderiam ter sido ainda piores. E Kanye nem é esse tipo de artista! Mas ele não consegue escapar àquela mentalidade da rua. E tudo gira em torno de um beat que terminou sendo usado por Jay-Z e ajudou a empurrar a carreira de Kanye.

Coodie: Foi "Never Change" ou "The Blueprint". Ele vendeu a Jay-Z a faixa que tinha vendido também a Payroll [um rapper de Chicago]. Foi Payroll que escreveu o trecho –"out hustling, same clothes for days". Kanye informou Payroll que estava para vender a faixa, mas incluiu o trecho. Kanye acertou as contas com Payroll depois disso, mas Payroll não gostou. Ele disse "Kanye, você precisa me pagar mais". E eu tentando acalmar os dois. Mas foi bom para eles resolver aquela disputa.

Kanye está de volta aos jornais sensacionalistas por causa de seu divórcio. Quando vocês veem esse lado tempestuoso da vida das celebridades, vocês se preocupam por ele?
Coodie:
Eu costumava me preocupar, mas sei que Deus está com ele. Ele quase morreu em acidentes de carros, um par de vezes –teve um acidente em Chicago antes de se mudar para Nova York, capotou sua picape. Um par de outros incidentes que vi –Deus realmente cuida dele, por qualquer que seja o motivo. Quando vejo o que está acontecendo agora, o que penso é que vai passar, como tudo mais passou.

"Jeen-yuhs: Uma Trilogia Kanye"

  • Quando Segunda parte estreia dia 23 de fevereiro
  • Onde Netflix
  • Classificação 16 anos
  • Elenco Kanye West
  • Direção Coodie and Chike

Traduzido originalmente do inglês por Paulo Migliacci

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