Jeremy Irons no filme "Munique - No Limite da Guerra" Frederic Batier/Netflix

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Kathryn Shattuck
The New York Times

"Estou falando demais?", perguntou Jeremy Irons. "Tendo a ser um tanto loquaz". Com aquela voz –você sabe do que estou falando—, Irons pode falar por tanto tempo quanto quiser. Estávamos conversando por telefone, ele de sua casa em Oxfordshire, na Inglaterra, para discutir "Munique - No Limite da Guerra", e sua interpretação do primeiro-ministro britânico Neville Chamberlain.

Baseado em um romance histórico de Robert Harris, o filme da Netflix acompanha quatro dias frenéticos de preparativos para a conferência de Munique, em 1938, na qual líderes mundiais buscaram evitar uma guerra ao permitir que Adolf Hitler anexasse a região tcheca dos Sudetos, que abrigava uma grande população de origem alemã.

Em Munique, Chamberlain também assinou um acordo entre o Reino Unido e a Alemanha nazista que, em suas palavras, "garantirá paz para nossa era".

"Adoro reavaliações da história, e Robert estava muito interessado em tentar limpar o nome de Chamberlain, pelo menos até certo ponto", disse Irons. "Acho que agora podemos compreender que Chamberlain se viu forçado a escolher entre duas opções muito ruins."

Depois de uma longa reflexão sobre sua história pessoal e sobre aquilo que o contenta, Irons escolheu trabalhar menos, nos últimos anos, e se concentrar mais em prazeres imediatos. "Eu atuo para viver. Não vivo para atuar", ele disse.

Quando chegou aos 50 anos e os papéis principais começaram a escassear, Irons passou por um período "em que eu não me comportava terrivelmente bem, porque estava entediado", disse.

Por isso, canalizou sua energia criativa para a restauração do castelo de Kilcoe, do século 15, na região irlandesa de West Cork. Agora, ele está reconstruindo uma casinha em uma ilha a cerca de 100 metros da costa, para a qual ele às vezes vai nadando.

"Quando eu era jovem, costumava acreditar que o epítome da sabedoria, e o objetivo que eu deveria ter na vida, era ser perfeitamente feliz sentado sob uma árvore", disse Irons. "E encontrei a árvore —fica ao lado daquela casinha. E fico sentado à sombra dela, contemplando a paisagem, a terra ao meu redor, e sou completamente feliz". Abaixo, trechos editados de nossa conversa.

1. "Noah’s Flood", de Benjamin Britten
Eu tocava violino na orquestra da escola. Nós nos reunimos com outras escolas da região, e fomos todos à maravilhosa abadia gótica que existe no centro da cidade; os papéis principais foram cantados por cantores profissionais. E ensaiamos "Noah’s Flood" por três dias, com a garotada interpretando os animais que estavam entrando na arca de Noé.

Certa manhã, eu saí daquela abadia e a coisa me atingiu com a força de um relâmpago: "Onde estou? Onde estive? Estive em algum lugar ao qual quero voltar". Foi a primeira vez que tive aquele pensamento, e ele ficou comigo. E é por isso, suponho, que nunca vou parar de trabalhar. Vou estar sempre à procura da oportunidade de ir uma vez mais àquela terra estrangeira.

2. "Lawrence da Arábia", de David Lean
Lembro de ter assistido ao filme com cerca de 12 anos. Fiquei hipnotizado por Peter O’Toole e seus olhos azuis. Mas também fiquei hipnotizado pela escala e pela grande emoção do filme, e pensei que "adoraria contar histórias dessa maneira".

3. "Brideshead Revisited"
"Brideshead" foi um ponto de inflexão, de alguma maneira. E também foi um grande sucesso, é claro, e me ajudou a escapar daquilo que chamo de campo gravitacional dos atores ingleses. Eu fazia peças no West End com meu nome acima do título, mas, naquela época, a maneira de tornar seu nome realmente conhecido na Inglaterra era a televisão.

Eles disseram que adorariam que eu interpretasse Sebastian. E eu disse que não, preferiria interpretar Charles. Eu tinha acabado de interpretar um personagem muito parecido com Sebastian em "Love for Lydia", um cara que amava demais a mãe, bebia demais, e cai de uma ponte no episódio oito. Mas olhei para Charles e pensei que "esse sim é um cara interessante, porque ele é tão tipicamente inglês. Eu conheço tudo isso muito bem. Fui educado para ser um homem como ele".

4. A família Cusack
Sou um menino de classe média anglo-saxã. Venho de uma linhagem inglesa, boa e tediosa. E adoro criar cachorros, e sei que misturas de raças são muito interessantes. Minha mulher (a atriz irlandesa Sinead Cusack) sempre fica irritada quando faço essa comparação. Mas eu senti que precisava de uma mistura. Senti que precisava de um pouco de celta.

E por isso, quando tive a oportunidade de conhecer a senhorita Cusack, com todo o seu colorido e sua história, eu me tornei parte de uma dinastia das artes. Comecei a entrar naquele crepúsculo celta, naquela forma de vida, e estou mergulhado nela desde então.

5. "The Real Thing", de Tom Stoppard
Eu fui convidado para começar a ensaiar uma peça em Londres chamada "The Real Thing", de Tom Stoppard, a quem eu não conhecia. E li a peça e pensei, "meu Deus, ele me conhece. Porque era eu na página". Mas eu não pude fazer a peça, porque estava rodando um filme chamado "Betrayal".

Depois, ouvi uma fofoca de que Meryl Streep e Kevin Kline estavam em Londres e que estavam pensando em fazer "The Real Thing" [nos Estados Unidos]. E pensei que "não gosto nem um pouco dessa ideia". Liguei para o meu agente americano, Robbie Lantz, para dizer que ele não tinha feito coisa alguma por mim até ali, e que se ele não me conseguisse o papel em "The Real Thing", eu arranjaria outro agente.

Um mês ou dois mais tarde fui convidado para o papel, contracenando com Meryl. Mas então Meryl, como sempre faz, decidiu que não faria a peça. Glenn Close acabou fazendo o papel. Foi essa minha introdução a Nova York e à Broadway, fazendo um papel que nasci para fazer.

6. West Cork, Irlanda
David Putnam, o produtor de cinema, tinha se mudado para perto de Skibbereen, e em uma visita, na sala de jantar da casa dele, eu senti que estava em casa. Viajo muito, e nunca tinha sentido coisa parecida no passado. Por que eu me senti em casa? Porque, suponho, eu fui criado na ilha de Wight, onde o mar é como que parte da terra. Em West Cork, ainda mais. Há sempre um barco no pátio da fazenda. E a região tem, historicamente, um elemento meio anárquico. É um lugar de caçadas, de música e de conversação. E de repente lá estava eu me assentando em West Cork, e sentindo uma deliciosa felicidade.

7. "Quatro Quartetos", de T.S. Eliot
"Quatro Quartetos" é a maior obra dele. Fiquei apaixonado pela simplicidade e complexidade dos poemas. E percebi que a maneira de ouvir poesia é ouvi-la em voz alta. Josephine Hart, que escreveu o roteiro de "Perdas e Danos", tinha criado um serie de leituras de poesia na Biblioteca Britânica, e convidava atores para ler. Ela começou a me dar poemas de Eliot. Eliot é um poeta muito complicado, e eu lia sem muita preparação, no improviso. Valerie Eliot, a viúva dele, um dia me disse que "acho que você é a voz atual de Eliot, e que deveria gravar as obras dele". Por isso, gravei todos os trabalhos dele, para a BBC.

8. Martin Hayes e a magia da Irlanda
Fizeram uma série de televisão na Irlanda em que convidaram seis pessoas de meia-idade a aprender alguma coisa nova. E para mim perguntaram se eu queria aprender a tocar violino irlandês. Martin me deu algumas aulas, e o homem é um completo mágico. Quando nos encontramos pela primeira vez, comecei a tocar "Arrival of the Queen of Sheba", de Handel. Ele me deteve em cerca de 15 segundos. "Calma lá, calma lá. Essa é mesmo a nota que você quer?" E eu respondi que era a nota escrita. Ele disse: "Não, não, não, não. A música é sua. Ela vem de você". Foi ali que eu percebi que a música irlandesa é jazz.

9. Centro Cultural Jean-Marie Tjibaou, na Nova Caledônia
Houve um momento em que eu achei que queria deixar de ser ator. E uma das coisas que imaginei que poderia fazer em vez de atuar seria me tornar arquiteto. E assim conheci Renzo Piano, que se tornou um grande amigo. Ele permite que sua imaginação viaje sem embaraços. Esse edifício, que ele projetou como centro de artes na Nova Caledônia, é simplesmente maravilhoso, porque, além de ser deslumbrante, ele parece brotar do lugar.

10. O cachorro de Irons, Smudge
Simplesmente preciso de Smudge. Eu a adotei da Battersea Dogs Home quando ela tinha oito semanas de idade. Agora ela tem sete anos, e está aqui, pacientemente deitada aos meus pés. E é parte muito importante do meu trabalho e da minha vida, porque me propicia aconchego. Ela me faz lembrar de que é só um filme, e que na verdade um passeio ou jantar importa muito mais. Ela é muito táctil, e gosto disso, porque também sou. E agora, quando não se pode mais ser táctil com outras pessoas, é maravilhoso tê-la por aqui. Você ainda pode ser táctil com seu cachorro. Por isso, posso me aninhar com ela sem ter problemas.

Traduzido originalmente do inglês por Paulo Migliacci. 

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