Diego Luna discute a ideia de família em sua estreia como diretor de TV
Série 'Todo Va a Estar Bien' estreou no fim de agosto na Netflix
Série 'Todo Va a Estar Bien' estreou no fim de agosto na Netflix
Alerta: Contém spoiler da primeira temporada da série.
“Todo Va a Estar Bien”, a nova série em espanhol de Diego Luna para a Netflix, segue o caminho bem conhecido de um drama romântico ou familiar tradicional –e de repente deixa de fazê-lo. De forma aguda e decisiva, Luna vira o volante na direção de uma visão mais progressista, distante da tradição ou das instituições.
“A Covid nos fez encarar uma ideia: será que estamos vivendo em companhia das pessoas de que precisamos estar perto?”, disse Luna, que criou, dirigiu e comanda a série, em uma entrevista por vídeo, de Londres, no final de agosto. “Porque aquele era o momento em que o certo seria fazê-lo”.
“A série trata desse assunto”, ele acrescentou. “De repensar a ideia de casamento, repensar a ideia de família, e garantir que caiba a nós a decisão do que família deve ser”.
“Repensar” é só um dos termos que podem ser usados para descrever a trama. A série, lançada em 20 de agosto, é a estreia de Luna como diretor de TV e showrunner, e acompanha uma pequena família na Cidade do México, na qual os pais (interpretados por Flavio Medina e Lucía Uribe) buscam confortar a filha pequena, Andrea (Isabella Vázquez Morales), enquanto seu casamento se desfaz.
O pai, Ruy, que trabalha em uma estação de rádio, é tirado do ar por impropriedades sexuais. Para a mulher dele, Julia, aquela é a última gota. Enquanto ela e Ruy estão separados, Julia se envolve romanticamente com Fausto (Pierre Louis), o dentista de Andrea.
Mas as coisas realmente passam por uma virada no episódio sete, quando Andrea foge de casa, incomodada com a separação dos pais. Julia, Ruy e Fausto são forçados a trabalhar juntos para encontrá-la. É então que a pressão ferve em forma de paixão, resultando em uma cena de sexo a três que lembra a de “E Sua Mãe Também” (2001), filme de Alfonso Cuarón que deu a Luna seu primeiro papel de grande sucesso.
E depois disso a dinâmica daquela família muda. No episódio final, depois que a pandemia da Covid-19 chega com toda força, os personagens fazem um número musical. “Nós todos temos uma mãe, nós todos temos um pai”, Andrea canta. “E nós todos temos alguém que cuida de nós”. Sua nova unidade familiar rompeu o molde tradicional –com um arranjo que, para seus integrantes, parece mais saudável e mais feliz.
“Não deveríamos ter de cumprir as expectativas alheias quando falamos de algo tão pessoal quanto criar uma família”, disse Luna. “E carregamos as expectativas de tantas gerações e tamanha pressão social que se torna quase impossível sermos nós mesmos”.
Entre tragadas no cigarro, Luna falou sobre seus trabalhos como diretor, sobre como a Covid nos fez pensar, e sobre o significado de dizer adeus. Abaixo, trechos editados da conversa.
Você estava muito ansioso por voltar a dirigir, depois de “Sr. Pig”, de 2016?
Todos os filmes que fiz como diretor surgiram em momentos em que não havia dúvida de que eu precisava contar uma história. Meu primeiro filme [“Abel”] era sobre o tipo de pai que eu não queria ser. E aconteceu quando meu filho nasceu. O segundo [“César Chávez”] aconteceu na época de minha mudança para Los Angeles, e eu queria contar uma história sobre um americano de origem mexicana, algo que pudesse contar aos meus filhos, porque meu filho nasceu nos Estados Unidos. E em seguida fiz aquele filme [“Sr. Pig”], quando estava pensando sobre minha relação com meu pai. Mas precisei de tempo para encontrar uma nova história que quisesse fazer.
Quando a Covid chegou, tudo parou. E eu não sabia quando estaria de volta ao set, filmando alguma coisa como ator. Lembro-me de dizer a todo mundo na companhia que aquele era o momento, e que devíamos filmar a história do começo ao fim, comigo na direção, e que conseguiríamos fazer alguma coisa naquela hora em que tudo estava parado. Encontraríamos uma maneira. O título nos ajudou bastante: “tudo vai ficar bem”, não se preocupe, encontraremos uma maneira.
Como você decidiu incluir a pandemia da Covid-19 na história?
A narrativa já mais ou menos respondia à principal questão que acredito que a Covid tenha nos trazido: você está pronto para mudar todas as dinâmicas, tudo aquilo que você acha que precisa? Talvez seja preciso repensar tudo. Por isso foi fácil incluir a ideia da Covid, porque acho que de alguma maneira a grande questão que a Covid nos trouxe já estava sendo respondida por nós.
E reescrevemos os roteiros em meio à pandemia, e chegamos à conclusão de que deveríamos incluí-la, porque já tínhamos a esperança de retratar uma história de amor moderna. E uma história de amor moderna precisa responder ao que está acontecendo lá fora.
Por isso, não é só a Covid. É a polarização política que vivemos hoje, a grande dificuldade de encontrar território comum com as outras pessoas, a facilidade que temos de nos sentirmos deixados para trás pelas mudanças que acontecem diante de nós –em termos de nosso relacionamento com nossos demônios internos, nossa masculinidade e nosso machismo, a violência normalizada, a escassez de respeito nos relacionamentos que temos.
Você encapsula bem essa ideia no personagem Ruy. Ele passa por uma reviravolta quase completa: vai do machismo absoluto a propor voluntariamente passar por um treinamento sobre assédio sexual. Como essa linha de narrativa se desenvolveu?
É aquilo que esperamos poder atingir. E quando digo “nós”, posso estar falando sobre a maioria dos homens envolvidos no projeto. Definitivamente, precisamos nos confrontar quanto à nossa masculinidade.
É preciso fazer perguntas, é preciso que nos confrontemos e questionemos. Não creio que tenhamos fingido oferecer respostas, porque não as temos. Mas temos de estar dispostos a embarcar nessa jornada. De outra forma, seremos deixados para trás.
Parece-lhe mais urgente, agora, falar sobre temas como esses, a família moderna, o relacionamento perfeito, os papéis de gênero?
Sim, parece. Creio que crescemos com esse grande peso sobre nossos ombros, de fazer com que relacionamentos idílicos e perfeitos aconteçam. E ninguém nos ensina a nos despedirmos. Mesmo que seja uma coisa que sabemos que pode acontecer, mais cedo ou mais tarde. Não há maneira de as coisas não acabarem, porque nada dura para sempre. Isso não existe. Assim, por que não estarmos preparados para dizer adeus, da mesma forma que estamos preparados para aceitar coisas novas em nossas vidas? Mas não estamos.
Existe uma sensação de fracasso quando as coisas terminam –e não uma sensação de realização, de coisas que você guardará para sempre, que o tornarão melhor e o prepararão melhor para aquilo que ainda está por vir. Nada pode nascer a não ser que você aprenda a abrir mão do passado. Assim, por que não investir um pouco de nosso tempo para aprender como dizer adeus –da maneira mais amorosa e respeitosa possível? Para mim, a história é sobre isso.
Por que despedidas e separações são temas tão importantes para você?
Bem, porque cresci em uma equação muito interessante, na qual ouvi a sentença “tudo vai ficar bem” muitas, muitas e muitas vezes. Minha mãe morreu quando eu tinha dois anos. Meu pai teve de ser pai e mãe ao mesmo tempo. Eu estava lá quando meu pai tentou criar outros relacionamentos, em diversas ocasiões. E tive de aprender, pela experiência dele, que nada é para sempre.
E de repente, um dia, decidi ser pai. Não acredito que exista coisa alguma em minha vida mais importante do que a ideia de que pai desejo ser, de que pai posso ser. E tudo, desde que tive filhos, é impulsionado por isso: a ideia do exemplo que quero dar. Isso terá impacto imenso sobre aquelas duas criaturas adoráveis que estão lá tentando definir e construir suas experiências.
Assim, não consigo pensar em qualquer outra coisa. E, se penso em dirigir um projeto, não existe coisa alguma que seja tão pessoal e tão desafiadora. Quero garantir que o que faço se enquadre àquilo que importa para mim.
Traduzido originalmente do inglês por Paulo Migliacci
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