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Jason Satterlund, escritor e cineasta fã de Star Wars, posa com um Stormtrooper em Los Angeles Michelle Groskopf/NYT

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Ian Prasad Philbrick
The New York Times

Pela primeira vez em meia década, um ano se passou sem qualquer filme novo da série "Star Wars", uma pausa planejada que por acaso coincidiu com a pandemia. Mas espalhados pelo YouTube, há muitos filmes que acontecem em uma galáxia muito, muito distante: filmes feitos por fãs.

Em lugar do letreiro que desliza pela tela e da trilha sonora marcial dos filmes oficiais da franquia, no entanto, os trabalhos desses fãs em geral começam por notificações de que os direitos sobre a história pertencem à Lucasfilm.

Filmes como esses existem há praticamente tanto tempo quanto a franquia "Guerra nas Estrelas". No começo eram paródias, como o curta-metragem "Hardware Wars", de 1978, e "Troops", de 1997, uma sátira que combinava "Star Wars" a "O Enrascado" ("Cops"), em 1997. A Lucasfilm realizava concursos anuais para premiar filmes produzidos por fãs, na década anterior à aquisição da companhia pela Disney, em 2002.

Mas a nova gestão, acoplada a uma disponibilidade maior de instrumentos para produção de cinema de alta qualidade, abriu uma nova era de criatividade para os fãs. “Na verdade, as coisas estão mais vivas agora do que em qualquer momento do passado”, diz David Ortiz, um desses realizadores.

"Temos filmes de fãs com orçamentos altos, coisas que não tínhamos 10 ou 15 anos atrás, e as pessoas têm acesso muito mais fácil a coisas como efeitos visuais, modelagem em 3D e Blender [um software gratuito para animação digital]."

"Creio que o momento seja o ideal para fazer um filme de fã, se alguém deseja fazê-lo." Distantes da estética amadora, e do uso de câmeras de vídeo caseiras e cenários naturais, comuns nos filmes do passado, as produções recentes variam de filmes live-action com tramas complicadas a curtas-metragens digitais rodados com atores usando trajes que permitem captura de movimentos, para digitalização posterior.

Às vezes, esses projetos realizados por amor à série requerem meses de trabalho, e número crescente deles inclui adereços, efeito especiais ou trilhas sonoras originais que se aproximam da qualidade oferecida por estúdios. Alguns dos realizadores creditam a Disney por atrair mais espectadores para os seus tributos.

Uma análise conduzida pelo jornal The New York Times sobre quase 150 filmes produzidos por fãs e que conquistaram pelo menos 100 mil visitas no YouTube determinou que mais de 75% deles subiram para o site nos seis anos transcorridos desde a estreia de “Star Wars: O Despertar da Força”, a primeira parte da mais recente trilogia.

E diversos exemplares populares exploraram com interesse os personagens e a linha de narração dos novos filmes. Mas outros se rebelam contra as escolhas narrativas da Disney. Alguns contam com personagens e tramas que o estúdio abandonou ou que remontam a uma era mais antiga do cinema “Star Wars”.

Em um momento que abarca tanto grande empolgação quanto desilusão profunda com a franquia, esses trabalhos representam um exercício da força dos fãs, em um cabo de guerra criativo para determinar a quem a galáxia realmente pertence. "Muita gente ficou realmente frustrada com alguns dos filmes" da trilogia da Disney, diz Jason Satterlund, diretor e roteirista profissional que em 2019 fez um curta-metragem sobre Obi-Wan Kenobi que se passa durante o exílio do mestre jedi no planeta desértico Tattoine.

“Queríamos recriar o amor que sentimos inicialmente por ‘Uma Nova Esperança’ e ‘O Império Contra-Ataca’”, diz. Satterlund classifica “Kenobi”, que foi assistido 5,7 milhões de vezes no YouTube, como “uma oportunidade de redimir” a franquia, para fãs parecidos com ele. "George Lucas criou algo pelo que nos apaixonamos tanto que não queremos ver a história arruinada."

“Se sentimos que alguém está violando a história, a reação pode ser muito visceral. E acredito que seja isso que você está vendo." Satterlund acrescenta rapidamente que seu curta-metragem não tinha a intenção de promover a “negatividade” sobre a Disney ou impugnar as escolhas narrativas da companhia. Mas em vídeos que mostram as reações de espectadores, no YouTube e outros veículos, as audiências não conseguem evitar comparações.

“O que a maioria esmagadora das pessoas diz é que não tinham sentido tanta emoção nesse universo há muito, muito tempo”, ele acrescenta. Ortiz reconheceu que o entusiasmo por seu projeto, baseado em uma linha narrativa de 1996 que a Disney descontinuou, veio em parte de fãs decepcionados. Ele disse que encara essas reações com cautela. “Não quero que alguém bata à minha porta e me mande parar com isso. Porque dizem que, se você cutucar demais a Disney, eles mordem”.

A Disney disse que encoraja a criatividade dos fãs e que recebe positivamente discordâncias quanto às suas escolhas criativas. “Essa é uma das belezas de Star Wars. A franquia desperta esse tipo de conversação, e esse tipo de paixão”, disse uma porta-voz da Lucasfilm, Lynne Hale, “e nós sempre recebemos o debate positivamente”.

Mas o discurso pode ter um lado negativo. Depois que a recente trilogia se concentrou mais em mulheres e em personagens não brancos do que os filmes anteriores da franquia, alguns fãs participaram do assédio online a atores ou criticaram as personagens femininas de maneira misógina.

Alguns filmes realizados por fãs rejeitam esse lado venenoso. Elencos mais diversos significam “histórias mais ricas, histórias mais nuançadas, e novas perspectivas na galáxia”, disse Stephen Vitale, que dirigiu “Hoshino”, um curta-metragem de 2016 sobre uma mulher jedi –interpretada por Anna Akana– cujo uso indevido de um sabre de luz a faz perder a visão.

Os fãs de outras franquias cinematográficas de fantasia têm relacionamentos complexos com as companhias que as controlam, e os filmes dos fãs de “Star Wars” caminham na corda bamba em termos legais. A Disney solicita que esses trabalhos sejam identificados claramente, que não arrecadem dinheiro para produção via crowdfunding, que não incluam imagens protegidas por direitos autorais e que não lucrem com a venda de ingressos ou com a venda de publicidade online.

A companhia não parece discriminar entre filmes de fãs feitos por profissionais e feitos por amadores, desde que todos sigam as regras. “Há um ponto a partir do qual você precisa proteger seus direitos autorais”, disse Halle.

Nem todo mundo acata as determinações. Uma campanha no Indiegogo para financiar “Kenobi” obteve ajuda de James Arnold Taylor, que fez a voz do personagem em desenhos animados de “Star Wars” (ele também interpreta o vilão em ”Kenobi”.) Outros realizadores recorreram ao Kickstarter para bancar seus projetos.

E alguns que tentaram observar as regras mesmo assim encontraram dificuldades. A Warner/Chappell, que é dona de parte dos direitos musicais sobre Star Wars, em parceria com a Lucasfilms, em 2019 afirmou direito autoral sobre um filme de fãs a respeito de Darth Vader, “Shards of the Past”, postado no YouTube.

Uma torrente de críticas surgiu online contra a companhia, por causa disso, acusando-a de buscar lucrar com o trabalho dos fãs. A Lucasfilm por fim intercedeu para que a posição fosse revertida (Hale disse que não comenta sobre reivindicações de direitos autorais).

À medida que a tecnologia estende as capacidades dos fãs para contar histórias, as questões de propriedade se tornam mais e mais complicadas. Diversos filmes de Peter Csikasz, um universitário húngaro, combinam imagens digitais de videogames oficiais “Star Wars” a trabalho original de animação com bonecos produzidos por ele. Csikasz disse que os desenvolvedores dos jogos estavam cientes de seu trabalho, ainda que videogames de “Star Wars” criados por fãs tenham sido repetidamente bloqueados.

À medida que esses filmes se tornam mais e mais artísticos, seus custos também crescem. Um filme de animação de dois minutos pode custar mais de US$ 5.000 (R$ 26, 3 mil) para produzir. O orçamento de “Kenobi” ficou próximo de US$ 100 mil (R$ 526 mil), disse Satterlund –e expectativas dispendiosas podem se tornar proibitivas: no mês passado, Ortiz suspendeu seu projeto por tempo indefinido, por não ter conseguido arrecadar US$ 20 mil (R$ 105 mil) via crowdfunding.

As regras da Disney significam que muitos filmes de fãs representam prejuízo financeiro, mas uma produção bem executada pode atrair assinantes para canais do YouTube, patrocinadores para futuros trabalhos, ou abrir portas para oportunidades profissionais. “É um jeito de lubrificar as engrenagens”, disse Satterlund sobre seu curta. “Ajudou-me a entrar na sala e conversar com alguém."

As ambições da Disney de expandir ainda mais a franquia –diversas produções novas foram anunciadas em dezembro– pode criar novas diferenças criativas com partes da audiência. Mas também existem sinais de apreciação mútua. Algum tempo atrás, a companhia confirmou boatos duradouros de que desenvolveria uma série para streaming baseada em Obi-Wan Kenobi.

Satterlund disse acreditar que a série oficial deva seguir terreno temático semelhante ao de seu curta.
Ele considera essa perspectiva empolgante –e lisonjeira. “Seria uma grande honra se eles usassem parte do que desenvolvi”, ele disse. “E melhor ainda se me chamarem para trabalhar. Se a Disney ligasse e me convidasse para participar da equipe, eu estaria lá amanhã."

Tradução de Paulo Migliacci

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