Com Marina Ruy Barbosa, 'Sequestro Relâmpago' debate consciência de classe e violência em SP
Baseado em fatos, filme de Tata Amaral também aborda machismo
Uma garota branca de classe média tenta convencer seus sequestradores de que eles escolheram a pessoa errada. "Somos todos iguais", diz ela, afirmando que 1% da população mundial concentra a mesma riqueza do restante. "Também faço parte desses 99%." Um dos algozes rebate: "Você já foi para a Disney? Você cresceu com descarga na sua casa?".
A cena resume uma das premissas de "Sequestro Relâmpago", filme dirigido por Tata Amaral, que entra em cartaz nesta quinta (22). "Quis falar sobre a tomada de consciência de uma pessoa que, por ser batalhadora, não percebe o nível de privilégios de ser branca e de classe média", diz a cineasta.
Na trama, baseada em uma história real vivida pela artista visual Ana Beatriz Elorza, Marina Ruy Barbosa interpreta Isabel, que é sequestrada por dois garotos em frente a um bar. Matheus (Sidney Santiago) e Japonês (Daniel Rocha) tentam sacar dinheiro de sua conta, mas chegam após o horário de funcionamento do caixa eletrônico. Eles decidem esperar até a manhã seguinte.
"Quero contar uma história que deixe as pessoas grudadas na cadeira", diz Tata. "O filme trata dessa menina que se torna uma heroína a meu ver", acrescenta, evidenciando que a personagem passa a noite dentro de um carro com dois garotos e sem sutiã. "Isso nem repercute fora do Brasil, mas, aqui, você estar com dois homens em qualquer lugar significa que a relação pode ser sexualizada."
O trio circula pela cidade tentando definir a melhor maneira de sair da situação. Inexperientes, os sequestradores repensam o plano o tempo todo, enquanto Isabel negocia sua vida e também os manipula. "Você pode encontrar humanidade em todo mundo. Também não acredito na vítima, é uma construção romântica que serve a um período", diz a cineasta.
O elenco inclui o rapper Projota e a cantora transexual Linn da Quebrada. “Há muito tempo que eu acredito na representatividade, em traduzir no audiovisual a diversidade da nossa sociedade. É um dogma pra mim", afirmou a diretora.
Abordando temas como desigualdade, machismo e violência, Tata Amaral afirma que o filme é também um tipo de "road movie" por São Paulo. "É uma cidade que exclui quem não está no centro expandido por ‘n’ razões. Essa observação está em cada cena."
O trailer de "Sequestro Relâmpago" repercutiu nas redes sociais por exibir Marina Ruy Barbosa cantando "Rap é Compromisso", de Sabotage —o rapper foi morto com quatro tiros após deixar a mulher no trabalho em 2003; segundo a polícia, o crime teria ligação com seu passado no tráfico.
A cena do longa de Amaral foi criticada por internautas que consideraram uma contradição vê-la cantada pela atriz. "O Rap é compromisso, não é viagem / Se pá fica esquisito, aqui Sabotage / Favela do Canão, ali na Zona Sul / Sim, Brooklyn", diz o trecho.
"Rap só é lembrado no Brasil pelo branco na hora do #militei ou na hora de se ligar ao bandido de algum jeito”, disse um crítico no Twitter. "A incapacidade do branco de entender completamente o lugar de uma manifestação cultural que não seja centrada nele é de onde vem todas as discussões sobre ‘apropriação cultural’", completou.
Tata Amaral argumenta que a cena só reproduz o que aconteceu na história real de Ana Beatriz. Para ela, trata-se de comunhão entre os envolvidos. "Acho que Sabotage gostaria dessa cena e a família dele nos cedeu os direitos", disse a cineasta. "A música é maravilhosa e deve ser cantada por todos os públicos, inclusive para que chegue a todos os públicos", completou.
Marina Ruy Barbosa também protagoniza a atual novela das nove da Globo, "O Sétimo Guardião", na qual interpreta Luz, par amoroso do personagem de Bruno Gagliasso. Os atores também contracenam em "Todas as Canções do Mundo", filme de Joana Mariani, em cartaz nos cinemas.
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