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Carnaval
Descrição de chapéu
Alalaô

Bloquinhos não passarão!

Não importa o número de integrantes, no Rio de Janeiro só existem blocos

Foliões no Cordão do Boitatá, que de bloquinho não tem nada - Lucas Landau-12.fev.2023/Reuters
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Arthur Muhlenberg

É publicitário, autor, roteirista de cinema e TV, carioca do Leblon, mangueirense e caciqueano.

Tradicionalmente insinuante e criativo no ataque, o carioquês sempre foi um dialeto inclusivo, que joga e deixa jogar. Nunca teve uma defesa das mais sólidas e qualquer novidade linguística que chega à cidade costuma passear solta, sem marcação.

Mas o território livre da internet antecipa alguns efeitos da conurbação Rio-São Paulo com que os futurólogos nos ameaçam. Quando ninguém estava olhando, a balada driblou a night e, agora, mesmo o rolê, enquanto coisa fustiga o cargo ocupado pela parada, substantivo genérico que é um dos pilares centrais da linguagem carioca.

E, desta vez, o termo usado na ponta feia da Dutra para, na definição de Nei Lopes e Luiz Antonio Simas no Dicionário da História Social do Samba, "um grupo indistinto de pessoas que durante o Carnaval desfilam pelas ruas de maneira descontraída, com pretensões mais dionisíacas que apolíneas, menos espetáculo e mais folia" não se criou.

Porque desta vez o goleiro estava ligado no lance e fez uma grande defesa da última cidadela do idioma falado na Mui Leal e Heroica São Sebastião do Rio de Janeiro, o sacrossanto Carnaval.

Na primeira gracinha que o termo alienígena "bloquinho" ensaiou em território carioca, o prefeito Dudu Paes (PSD) o refutou nos canais oficiais da cidade, talvez com algum excesso de paixão. A defesa foi importante, não estava só jogando pra galera.

As festas profanas de origem religiosa que estão na raiz dos três dias de doideira carioca institucionalizada evocam fabulosas libertinagens, mas, no Rio, Carnaval não é bagunça. Na verdade, é, mas por trás de toda a orgia existe um protocolo não escrito, uma liturgia seguida de ouvido, um respeito tenaz pela tradição e por todos que chegaram antes e conquistaram o direito de sentar à janela.

Bloquinhos podem ser muito úteis para anotações ligeiras, listas de supermercado e jogo da velha, mas não riscam o chão de poesia. Logo, não têm lugar na nossa festa. Não importa o grau de loucura, entorpecimento ou familiaridade, por aqui jamais nos referimos às entidades carnavalescas por diminuitivos. Ninguém se encanta por escolinhas de samba, greminhos recreativos ou sambinhas-enredo.

Veneramos as Escolas, com E maiúsculo, entoamos seus sambas-enredo e nos aglomeramos em massa nos desfiles dos blocos carnavalescos.

Não importa o número de integrantes, desde o mais esculhambado bloco de sujo até os mais bombados blocos de cantora da moda, passando pelos venerandos blocos de embalo Boêmios de Irajá, Bafo da Onça e o Cacique de Ramos, no Rio não existem bloquinhos, só existem blocos. Essa é uma norma que precisa ser respeitada, até pelos paulistas que nos honram com sua visita durante o tríduo momesco.

Como disse o Bira Presidente um dia desses numa resenha com a diretoria do Cacique debaixo da histórica tamarineira na quadra da rua Uranos, com aquele riso de experiência divertida, leveza de borboleta, ingenuidade originalíssima e inteligência defensiva que, segundo Mário de Andrade, só os índios, as crianças e os cariocas possuem: "As palavras têm poder e o que se diz tem que se adequar com a coisa dita; não vou gostar se chamarem o Cacique disso". O papo foi dado, o Presidente sabe o que diz.

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