Atriz da Globo e mãe trans, Isis Broken diz que lidou com discriminação após marido engravidar
Atualmente na pele da lojista Corina na novela 'No Rancho Fundo', ela relata transfobia antes do parto e fala sobre a educação de gênero não opressora de Apolo, hoje com quase 3 anos
A cantora e atriz Isis Broken, 29, diz se considerar a pessoa mais feliz e realizada do mundo quando o assunto é maternidade. A intérprete da bem-sucedida lojista Corina de "No Rancho Fundo" (Globo) é mãe do pequeno Apolo, de quase 3 anos, fruto de sua relação com o rapper Lourenzo Gabriel, conhecido como Aqualien, 26.
Porém, até que esse sentimento chegasse, ela precisou passar por muito sufoco, angústia e constrangimento. Isis, uma mulher trans, teve o herdeiro de forma natural com o músico, que é homem trans e engravidou dela durante a pandemia, em 2021. Só que a forma como ambos foram tratados no pré-natal até o parto, diz ela, não foi nada legal.
"A gente sofreu transfobia muito forte. As clínicas que frequentávamos no SUS [Sistema Único de Saúde] de Sergipe eram lugares extremamente opressores, indignos. Não éramos validados, nossos corpos eram assediados. Lembro que liguei para 13 clínicas no meu estado e, quando falava que meu marido havia engravidado, desligavam na minha cara", diz ela ao F5. Isis também afirma que ninguém respeitou os nomes sociais do casal e utilizavam os nomes de batismo em pulseiras.
Em outro momento, quando enfim Aqualien conseguiu fazer um ultrassom, Isis afirma que mais uma vez aconteceu um momento de puro preconceito. "Uma enfermeira pediu para eu mostrar a vagina. Uma outra nos mandou voltar para casa e esperar o resultado do exame para ver se o bebê 'estava vivo ou morto'", lembra.
Foi nesse momento que a atriz, já conhecida em sua região, resolveu gravar tudo e colocar na internet, além de registrar um boletim de ocorrência. Na época, a Secretaria de Saúde de Aracaju disse que orientou os prestadores de serviço e que em nenhum momento negou atendimento ao casal. Também afirmou que o município estava à disposição para ajudar.
Aquilo chamou a atenção e tomou uma proporção nacional. A atriz Nanda Costa, que na época estava grávida das filhas gêmeas, entrou em contato com ela para oferecer ajuda. Tainá Müller fez o mesmo. Foi quando ela e Aqualien conseguiram viajar para São Paulo, já com oito meses de gestação, para ter o filho na cidade.
"Mesmo com tudo isso, queríamos ter o parto pelo SUS, pois era um movimento revolucionário. Era importante que eles abraçassem nossa existência. Amo o SUS, mas o sistema ainda é transfóbico e sistemático", avalia.
Apolo nasceu, cresceu e hoje, com quase 3 anos, recebe uma educação livre de rótulos e estigmas. "É naturalizar roupas e corpos. Às vezes, ele pega meu salto e coloca, assim como o sapato do papai. Vamos naturalizando essas construções", explica.
Isis conta que, por vezes, é criticada, sobretudo nas redes sociais, por usar pronome neutro com Apolo —ela se refere a Apolo como filhe. Mas isso não traz mais lamentações a ela, pelo contrário.
"Ele não sofre preconceito. Ele tem um pai e uma mãe", diz. "Esses dias recebi uma ligação da escola. Do outro lado da linha estava a professora, que só queria me elogiar e dizer que estava muito chocada com a educação de Apolo. É uma criança afetuosa. Não vou dar a ele uma educação de gênero opressora. Quero que ele cresça e se transforme, se modifique ou permaneça onde quiser", avisa.
Pelo lado profissional, a mãe de Apolo se mostra contente com os rumos que sua trajetória está tomando. Acostumada desde pequena a assistir novelas ao lado da mãe, hoje pode desfrutar do privilégio de fazer sua estreia e de estar numa trama das 18h na maior emissora do país.
Além dela, há pessoas trans em todas as faixas de horário da emissora nesse momento. Alan Oliveira é Babbo em "Família É Tudo" e Gabriela Medeiros vive a Buba do remake de "Renascer".
"Já sinalizei para a Globo que o Brasil precisa de uma estrela trans na casa —e eu quero ser essa estrela. Não só em novelas, mas em minisséries, à frente do entretenimento", afirma ela, cheia de convicção em seu potencial.
"Ter uma mulher trans afro-indígena como estrela da casa representa um momento bonito e progressista dentro das telas e fora delas", completa a sergipana de Aracaju, que também continua galgando espaço com suas músicas de letras ácidas e politizadas, que transitam por rap, trap, repente, prosa e pop. Confira uma palinha abaixo.
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