Ana Thaís se prepara para Copa, fala de sonhos e brinca: 'Ser cancelada é mais engraçado que triste'
Primeira mulher a comentar Mundial na Globo quer empoderar e abrir portas
Primeira mulher a comentar Mundial na Globo quer empoderar e abrir portas
Prestes a se tornar a primeira mulher da história da TV Globo a comentar uma Copa do Mundo masculina, a jornalista Ana Thaís Matos, 37, está em plena preparação. São expectativas para a cobertura, estudos sobre a cultura local e a certeza de que críticas virão, mas ela diz que já é "casca grossa" para aguentar as cobranças.
"Não quero que concordem porque sou mulher, quero que respeitem e escutem", afirma a comentarista que contabiliza já ter sido cancelada mais de 20 vezes, sendo a mais recente durante o Rock in Rio, quando falou mal da banda Coldplay nas redes sociais. "Ser cancelada é mais engraçado do que triste", brinca ela avaliando que a terapia ajudou muito.
Na Copa do Catar, que começa em novembro, Ana Thaís estará na equipe principal da emissora, acompanhando os jogos da seleção brasileira ao lado de Galvão Bueno, que se despedirá das locuções esportivas ao final da competição. Para ela, não tem como dimensionar o que será essa experiência. "Acho que só cairá a ficha lá".
A comentarista também tem se informado bastante sobre o país sede da Copa, principalmente com mulheres de jogadores que já atuam por lá, para entender melhor a cultura e as restrições que pode sofrer, como a necessidade de usar roupas que cubram os ombros e os joelhos, e até mesmo usar lenço na cabeça.
"Estou pensando em usar só uniforme da Globo mesmo, não quero tecer nenhum comentário que possa parece preconceituoso, estou em imersão total. É um país que não enxerga a mulher com a liberdade que estou acostumada. E ver uma mulher no meio da torcida seria impactante", afirma a jornalista, que também falou sobre envelhecimento e sonhos em entrevista ao F5. Confira mais abaixo.
Quais suas expectativas para ser a primeira comentarista mulher numa Copa entre homens?
Não sei ainda o que será isso, acho que só cairá a ficha no Catar. Minha expectativa é baseada na Ana da Copa feminina, a primeira grande cobertura que fiz na Globo. Era um momento em que eu estava me entendendo profissionalmente e tinha menos de um ano nessa função de comentarista. Sei que falo para muitos e por muitos. Não represento todas as mulheres, mas quero abrir caminho para elas se identificarem, se sentirem mais empoderadas. Emocionalmente falando, fazer a seleção brasileira ao lado do Galvão Bueno não tem dimensão.
Você se considera a mulher mais importante da história do esporte na Globo?
Nossa, não. Individualmente, tivemos mulheres em algum momento na história do esporte, como Fátima Bernardes e Fernanda Gentil, que eram apresentadoras. Embora sejamos poucas, no meu caso na Globo sou a única como comentarista ainda, ocupo uma cadeira e um espaço que nenhuma de nós já ocupou. Isso me traz responsabilidade e me constrói profissionalmente para enxergar o que é esse lugar que sempre foi para homens e para ex-jogadores. E eu sou jornalista também, vim do chão de fábrica de uma redação, nossa classe tem de ser mais valorizada. Me sinto preparada e levarei a minha vivência para ocupar esse cargo. Não consigo dimensionar o tamanho do que represento.
A Copa acontece no Oriente Médio. O que tem estudado sobre a cultura local?
Entrei em contato com esposas de jogadores que moram no Catar para entender culturalmente o país. Estou pensando em usar só uniforme da Globo mesmo, não quero tecer nenhum comentário que possa parece preconceituoso, estou em imersão total. Quando fui olhar tamanho de mala, esperava poder levar dez camisas, dez calças. É um país que não enxerga a mulher com a liberdade que estou acostumada. Tenho ainda a expectativa da entrada no estádio, pois imagino que só vai haver homens. Mulher no meio da torcida seria impactante.
Você vai usar lenço na cabeça quando andar pelas ruas?
Em alguns locais é preciso, em outros, não. O governo tem apostado em uma certa liberdade durante a Copa, mas não sei o trâmite se eu precisar ir numa farmácia ou ir jantar. Minha experiência internacional é limitada, não tenho grandes viagens no meu currículo. Tudo novo.
A Globo fez algum manual de conduta para os profissionais?
Não fez nenhum manual, foi por conta minha. Tenho medo de faltar com respeito sem querer, quero respeitar os padrões, é a cultura do país e não posso transformar do meu jeito. Mais uns 15 dias e eu vou afinar isso para ver como vai ficar a coisa do dia a dia, sobre bebidas alcoólicas, por exemplo [a lei muçulmana proíbe consumo e a entrada de mulheres em bares]. Estou estudando. Todas as conversas que tive até agora com essas colegas têm sido positivas em relação à liberdade do dia dia.
Você teme machismo e cancelamento por ser uma mulher comentarista de Copa?
Cancelamento comigo é muito comum, vivo essa vida desde que opino. As pessoas enxergam que mulher não pode dar opinião. Eu imagino que vai haver críticas, gente que não vai concordar, isso é a graça, não quero que concordem porque sou mulher, quero que respeitem e escutem. Quando dizem que seu ponto de vista não vale você pelo menos está sendo ouvido. O cancelador tem responsabilidade de engajamento negativo. Ao longo dos últimos anos muitas mulheres foram canceladas: Luísa Sonza, Anitta, Manuela d’Ávila. No Brasil, há quase um convite para não opinar se você é mulher. Tentativa opressora de tentar te assustar, mas estou casca grossa. Acredita que já fui cancelada por dizer que não gostava de sair com camisa de time?
Recentemente você criticou quem gostava de Coldplay...
Eu achei engraçado, foi na hora do show [no Rock in Rio], sei que muitos gostam bastante, mas vi gente levando a sério um assunto bobo, fizeram textão, análise de marketing sobre a banda. Lamento que no momento mais importante da minha carreira eu tenha que falar sobre um tuíte, algo bem menor. Quem gosta de mim ficou mais preocupado do que eu.
Você já está acostumada com cancelamentos?
Já fui cancelada mais de 20 vezes. Se eu falasse que não gosto de cadeira na cor vermelha alguém criticaria. Mas faço muita terapia e isso ajuda a diminuir a pressão. Acho mais engraçado do que triste. Até 2020 eu ficava chateada. O fator Robinho [ela criticou a possível contratação dele pelo Santos sendo um condenado por estupro] mudou minha relação com as redes. Algumas pessoas não queriam que eu estivesse ali. E, se eu for eu mesma, continuarei a ser atacada, então terapia tem me feito bem. Semana que vem falarei algo e vou ser cancelada de novo.
Se na Copa de 2026, a Globo tiver mais comentaristas mulheres na transmissão, você se sentirá pioneira?
Acho que sim, gosto de olhar minha trajetória. Sempre falei sobre mulheres e para mulheres. Recentemente, a emissora fez um evento interno e eu entendi o quanto outras mulheres se identificam com a minha história. Gosto de notar que abri caminho dentro da principal rede de televisão do país. Espero ser uma comentarista melhor para daqui quatro anos, pois vou querer fazer seleção brasileira de novo em 2026. Quem sabe com uma narradora ao meu lado?
Virar a comentarista fixa da seleção é um dos seus maiores objetivos?
Há um fator que é o envelhecimento da mulher no vídeo. As mulheres não envelhecem na TV, temos vida útil curta [Ana tem 37 anos]. Quem sabe não serei que nem a Doris Burke, comentarista e locutora da ESPN americana que cobre NBA [aos 57 anos]. Não faço muitos planos para o futuro, mas tenho sonhos.
Muita gente que não se liga muito em esporte diz que você fala de forma didática na TV.
Isso é uma preocupação minha desde o rádio. Trabalhei na Rádio Globo AM por seis anos e sabia que só uma linguagem acadêmica não atingiria todo o público. Esse foi meu crescimento, entender a melhor linguagem e me sentir confortável para usá-la. Minha linguagem é hoje o meu principal patrimônio, e o Encontro e a Fátima Bernardes me ajudaram, pois por vezes tínhamos oito minutos no programa para falar de quatro, cinco jogos da rodada e ainda comentar sobre algum caso de racismo, homofobia. Falo como se estivesse em casa com amigos.
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