Aviso
Este conteúdo é para maiores de 18 anos. Se tem menos de 18 anos, é inapropriado para você. Clique aqui para continuar.

Celebridades
Descrição de chapéu The New York Times

Paul e Justin Theroux falam da parceria de tio e sobrinho 'The Mosquito Coast'

Série baseada no livro da década de 1970 está disponível na Apple TV+

O ator Justin Theroux Instagram/justintheroux

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Chris Vognar
The New York Times

Allie Fox, um homem que busca escapar da sociedade e o personagem central de “The Mosquito Coast”, não é fã de qualquer tecnologia que ele mesmo não tenha inventado. E por isso é divertido conversar com Paul e Justin Theroux via Zoom, um app de chat via vídeo que Allie certamente odiaria por ser intrusivo.

Paul escreveu o romance “The Mosquito Coast”, publicado originalmente em 1981. Seu sobrinho, Justin, interpreta Allie na nova adaptação produzida pela Apple TV+, que estreou em 30 de abril. Os dois servem como produtores executivos da série.

Paul, um dos jornalistas de viagens mais conhecido do planeta, estava trabalhando no Havaí quando conversamos, no começo de abril. (“Vejo o Oceano Pacífico da janela”, ele disse.) Justin estava em casa, em Nova York. Os dois pareciam aguardar ansiosamente a oportunidade de conversar sobre essa colaboração familiar única, a história de um patriarca branco desiludido e egocêntrico e de sua família, que se veem forçados a fugir dos Estados Unidos.

“O nepotismo não influenciou a escolha em nada”, disse Paul. “Foi uma coincidência feliz, e eu achei excelente. Diversos de meus livros já foram transformados em filmes, mas eu nunca tinha conseguido conversar com um ator de maneira tão amistosa e íntima”.

Entre os demais tópicos que discutimos estava a diferença significativa entre o romance, que inspirou uma adaptação cinematográfica fiel estrelada por Harrison Ford em 1986, e a nova série. No livro, Allie, um inventor completamente enojado da vida moderna e convicto de que uma nova guerra mundial está por acontecer, transfere sua família de Massachusetts para Honduras, onde ele tenta criar o que imagina ser uma utopia. Missionários hostis e outros obstáculos, entre os quais suas ilusões, impedem que seu sonho seja realizado.

Essas coisas ainda podem vir a acontecer em futuras temporadas da série (por enquanto, só uma temporada foi aprovada). Mas por enquanto, Allie e sua família, que agora inclui uma filha adolescente (Logan Polish) estão fugindo da lei, por motivos misteriosos. Eles executam uma travessia reversa (e sangrenta) de fronteira, rumo ao México, e lá se envolvem em uma tremenda confusão com um chefão das drogas.

A primeira temporada é um thriller de suspense com trama afiada e ao mesmo tempo um drama familiar com inclinações filosóficas. Ao longo dos sete episódios de 60 minutos de duração, ela também serve como excelente exemplo de como adaptar a palavra escrita para as telas.

“Com sorte —vamos bater na madeira— veremos outros dos temas centrais do livro em temporadas futuras”, disse Justin.

De suas posições em extremos opostos do país, tio e sobrinho também discutiram as origens familiares e políticas de “The Mosquito Coast”, as semelhanças entre o passado e o presente e os prazeres de retratar um homem intransigente quanto às suas perigosas convicções. Abaixo, trechos editados da conversa.

Faz 40 anos que “The Mosquito Coast” foi publicado. O que inspirou o livro?
Paul Theroux
Foi a época, especialmente o final da década de 1970. O Japão estava inundando o mercado dos Estados Unidos de automóveis e produtos eletrônicos. E as taxas de juros dos bancos estavam em 18%. As pessoas culpavam o governo. Eu também estava pensando no pai de Huckleberry Finn, em Jim Jones e em Joseph Smith [o fundador da religião mórmon]. Queria pensar na personificação de alguém que desejava deixar o país e carregar a família com ele, dizendo que “este não é mais o país em que eu cresci. As coisas saíram errado. Vamos procurar outro lugar”.

Justin, você se lembra de quando leu o livro pela primeira vez?
Justin Theroux
Tenho uma lembrança vívida de tê-lo lido no ônibus, indo e voltando da escola, quando eu morava em Washington. Acho que o livro estava um ou dois anos acima da minha faixa de idade quando saiu. Devo tê-lo lido uns quatro anos mais tarde, e ele me causou uma impressão forte, especialmente o personagem do filho, Charlie, que é o narrador e a pessoa de cujo ponto de vista a história é contada. Amei o livro. Depois, quando saiu o filme, eu, meus irmãos, irmãs, primas e primos estávamos todos encantados com o fato de que Harrison Ford estrelaria uma história baseada no livro.

Paul Theroux Esse foi meu primeiro livro com o qual meus filhos conseguiram se conectar. Meus filhos, Louis e Marcel, tinham 11 e três anos. Justin tinha 10 anos, e portanto estava em um meio familiar parecido. Que os meninos do livro tivessem a mesma idade dos meus filhos foi uma escolha deliberada, para que eles pudessem ler e se identificar com a história.

E como foi manter a coisa em família, para a nova série?
Paul Theroux
Justin fez um teste para o papel sem me avisar. Eu não influenciei a escolha.

Justin Theroux Foi um daqueles acasos felizes, que o projeto surgisse em meu radar. Eu levantei um pouco a mão e disse que pelo menos gostaria de ler os roteiros e, se gostasse, de conversar com Neil Cross. E aí li os roteiros e os achei fabulosos. Terminei me reunindo com Neil, e depois tive o privilégio de ligar para Paul e dizer que achava que a coisa iria em frente. Diverti-me imensamente, porque existem elementos em Allie que vêm absolutamente de meu avô, o pai de Paul. Por exemplo sua incrível avareza. Era comum que ele me levasse, e aos meus outros irmãos, irmãs e primos, ao depósito de lixo, como Allie faz com o filho na série. Ele encontrava livros e pares de sapatos novos no meio do lixo, e os empilhava diante de nós.

Paul Theroux A filosofia do meu pai era: se a coisa não está no catálogo da Sears ou se você não consegue encontrá-la na praia, não vale a pena tê-la. Naquela época, o depósito de lixo era como uma enorme possibilidade, e meu pai apanhava alguma coisa lá e dizia: “Posso não precisar disso agora, mas um dia virá a calhar”. E meu pai também gostava de construir coisas, consertar coisas. Não era algo que ele fizesse brilhantemente, mas gostava de dizer que “sou capaz de fazer isso. Por que pagar alguém para fazê-lo?”

Na série, a Justiça está atrás da família Fox embora não saibamos exatamente o motivo. No romance, a família parte por livre vontade. Qual foi a ideia por trás dessa mudança?
Justin Theroux
Acho que houve certas decisões que Neil Cross [o criador da série] teve de tomar ao transformar a história em seriado. Os personagens são em geral os mesmos, mas atualizados e um pouco expandidos. Mas já que existe uma pista de decolagem tão longa diante de nós –a série pode ter duas, três, quatro ou mais temporadas–, Neil decidiu fazer algumas mudanças, o que considero inteligente. Por isso, agora a Justiça é a força que os leva a deixar o país, em lugar da vontade de Allie ou de seu espírito aventureiro.

Neil deixou bem claro desde o começo: o filme já tinha sido feito, e reproduzi-lo fielmente em forma de série traria a sensação de estar comendo o sanduíche de outra pessoa. Mas uma coisa que todos tínhamos era muita determinação de proteger o personagem Allie, sua filosofia de vida, e todas essas coisas.

Paul Theroux A ideia de estar sendo perseguido é excelente para uma série. Em um filme, as coisas são diferentes. Acho que séries são mais fiéis aos livros do que filmes. Um filme se torna algo mais, mas uma série é como... você sabe o que é um romance triplo vitoriano? Bem, os romances costumavam ser trilogias. Assim, quando Charles Dickens estava escrevendo “David Copperfield”, ele dividiu a história em dois ou três livros. Não um livro só.

Uma série de TV é uma forma muito literária por vir em partes: Parte 1, depois Parte 2, depois Parte 3, Parte 4. Um filme, não. Um filme encapsula a história e deixa muita coisa de fora, mas os detalhes que encontramos em um romance podem ser elaborados em uma série. Esse é o verdadeiro prazer de uma série.

Justin, o que o atraiu em Allie, como personagem?
É um personagem que tem complexidade, mas não complica demais as coisas para si mesmo, porque fica evidente que é extremamente fiel às suas convicções. Gosto muito disso. Imaginei que seria difícil de interpretar. Mas quando você interpreta um cara que se vê com tamanha clareza em sua mente, e que estão tão convencido de sua correção, é uma experiência libertadora. Seu corpo todo se abre, e você tem a sensação de que a experiência toda é uma grande diversão.

Ele às vezes é extremamente charmoso e divertido, mas também muito irritante. Eu pensei em “O Grande Santini”, aquele tipo de anti-herói clássico. Ele não é um daqueles sujeitos determinados e capazes de resolver qualquer problema. Tem imensos defeitos, mas acho muito divertido interpretá-lo.

Paul, você vê semelhanças entre o momento em que o romance foi escrito e o momento atual?
Eu realmente acredito que estejamos vivendo uma espécie de eco distante do final da década de 1970. A economia está em depressão. Com a pandemia, tampouco há escassez de pessoas dispostas a dizer que “é hora de ir embora”. Com certeza você conhece alguém que disse coisa parecida. As pessoas dizem que querem se mudar para o México, para a Nova Zelândia, para o Canadá. Para qualquer outro lugar. É espantoso.

As pessoas querem fazer o que Allie Fox fez. Allie Fox diz que “estou levando o melhor da América comigo, e vamos reconstruí-la em outro lugar”. Há muita gente dizendo coisa parecida, agora. A confiança no governo jamais foi tão baixa. Allie precisa partir, na série, porque o governo está atrás dele. Mas ele é o tipo de pessoa que gostaria de partir, de qualquer modo. E ele vai para o México, o que é ótimo. Gosto da ideia de ele cruzar a fronteira no sentido inverso.

O que nos impede de odiar Allie e todos os seus defeitos de caráter?
Paul Theroux
Porque é um cara determinado a fazer acontecer e porque é otimista, Allie inspira as pessoas a acompanhá-lo. Ninguém o seguiria se estivesse sempre deprimido. Justin percebe isso direitinho. É impressionante que ele leve a família em sua companhia e que a família esteja do lado dele.

Justin Theroux E ele não é mentiroso, ou seja, não é um bastardo nesse sentido. Ele às vezes peca por omissão ou pode prometer alguma coisa cujos resultados terminam por ser muito diferentes do que ele diz. Mas sempre mantém sua palavra.

Tradução de Paulo Migliacci

Final do conteúdo
  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Ver todos os comentários Comentar esta reportagem