No Limite: Ariadna tem razão ao dizer que trans não tem privilégio no Brasil
Influenciadora discutiu com Íris ao falar que precisou se prostituir
Influenciadora discutiu com Íris ao falar que precisou se prostituir
Ariadna Arantes, 36, estava certa. O simples fato de ela ser uma pessoa transgênero já a deixa numa posição bem abaixo da pirâmide social no Brasil.
A ex-BBB e hoje integrante do reality “No Limite” (Globo) discutiu no segundo episódio do programa com sua parceira de equipe Íris Stefanelli, 41, sobre o fato de ela ter se prostituído por falta de oportunidades de emprego. “Só o fato de ser uma mulher trans já me tira todos os privilégios”, afirmou.
Sem concordar com a opinião de Ariadna, Íris argumentou que a influenciadora digital tinha, sim, outras opções de sobrevivência na vida. Ariadna, então, afirmou que Íris não poderia julgá-la, uma vez que ela é “uma mulher loira, branca, cisgênero, de olhos claros e que teve acesso a muitas oportunidades”.
Nascida no Rio de Janeiro, Ariadna conseguiu projeção nacional após ser a primeira trans a participar do Big Brother Brasil, na 11ª edição do programa. Foi capa da revista Playboy e hoje tem residência fixa na Itália. Mas pessoas iguais a ela, no Brasil, ainda vivem sob o peso da violência, do preconceito e da invisibilidade.
Sem conseguir posições de trabalho formal, a maioria das pessoas trans são expulsas de casa quando revelam sua identidade de gênero para a família. E isso acontece, geralmente, na adolescência. Na rua e sem escolaridade completa ou profissão definida, acabam tendo na prostituição a única opção de sobrevivência. Caso de Ariadna.
E é na rua que o calvário das pessoas trans que se prostituem começa. Mais vulneráveis, são expostas ao tráfico de drogas e a todo tipo de violência. Poucas são as que sobrevivem aos espancamentos, aos linchamentos e aos massacres promovidos por pessoas que têm ódio de suas existências.
O crime de transfobia, equiparado ao racismo pelo STF (Supremo Tribunal Federal), muitas vezes não é investigado como deveria pela polícia e a marginalização contra a vida das pessoas transgênero só se aprofunda.
O Brasil é considerado em diversos rankings internacionais como o país que mais mata a população trans entre as grandes nações. E nem a pandemia de Covid-19 freou essa matança.
Segundo a Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), ao menos 175 assassinatos contra pessoas trans foram registrados em 2020 –uma alta de 41% em relação ao ano anterior. Nos quatro primeiros meses deste ano, a entidade já anotou mais 56 mortes violentas contra travestis e homens e mulheres trans.
O fator racial é ainda mais decisivo. Cerca de 80% dos casos de assassinato, ainda segundo a Antra, são praticados contra pessoas trans pardas e pretas que vivem da prostituição. “Pois esse grupo representa a maioria dos assassinatos e está diretamente expostas a diversas formas de violência, negação de acesso a direitos e, consequentemente, da precarização de suas vidas”, diz o relatório da entidade.
Apesar da trágica realidade, os governos que se sucederam no Palácio do Planalto pouco fizeram para saber como é e como vive essa parcela da população.
O governo federal tem minimizado as questões relacionadas à LGBTfobia por causa das posições do atual presidente, Jair Bolsonaro (sem partido), que declarou já durante o seu mandato, em 2019, que o Brasil “não pode ser um país do mundo gay, de turismo gay” porque aqui “temos famílias”.
O preconceito institucionalizado, como as entidades classificam a morosidade dos governos na promoção de políticas para esse público, se revela no apagão de dados estatísticos que, por sua vez, respaldariam iniciativas para elevar a escolaridade e a inserção de pessoas trans no mercado de trabalho formal mais digno e seguro.
Tudo o que se sabe sobre a população de homens e mulheres trans e das travestis é embasado em estimativas. A Antra calcula que 1,9% da população brasileira seja composta por pessoas trans. O Grupo Gay da Bahia diz que o país possui, ao menos, 1 milhão de transgêneros.
Outra estimativa, ainda mais cruel, diz respeito à expectativa de vida das pessoas trans. No Brasil, elas vivem, em média, 35 anos. A idade é 38,1 anos menor em relação aos homens cisgênero, que podem atingir até os 73,1 anos; e 45,1 anos abaixo das mulheres cis, de acordo com dados, de 2019, do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
A cidade de São Paulo é a única que faz um mapeamento social da população trans. Mesmo realizado por amostragem, ou seja, nem todas as pessoas trans que vivem na metrópole foram pesquisadas, os dados mostraram o fosso social pelo qual essas pessoas são submetidas.
Entre as pesquisadas, 43% declararam ter sido vítima de violência física devido à sua identidade de gênero. A prevalência das agressões é ainda maior entre travestis (58%) e mulheres trans (45%) que responderam à pesquisa.
Ambos os tipos de violência —física e verbal— ocorreram principalmente nas ruas e nas escolas, dois ambientes fundamentais para o convívio social e o exercício da cidadania.
São poucas as pessoas trans nas escolas e, tampouco, no ensino superior. A Andifes (entidade que representa os reitores das universidades federais) localizou apenas 0,1% de homens trans e 0,1% de mulheres trans entre os estudantes nas federais do país.
É por tudo isso que Ariadna esboçou preguiça na discussão que teve com a colega de confinamento. “Eu acho muito chato ter quer ficar debatendo isso. Ficou chato e eu preferi sair de perto. Eu gosto dela [Íris] e ela tem muito o que aprender ainda sobre isso”.
A equipe que coordena as redes sociais de Íris pediu desculpas públicas à Ariadna. O primeiro passo foi dado.
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