Jane Fonda diz que não se incomoda em ser presa todas as sextas-feiras
'Por que ser uma celebridade se você não pode aproveitar isso?'
Na noite anterior à nova detenção de Jane Fonda em Washington, na semana passada, um integrante de sua equipe de mídia social perguntou se ela consideraria a hipótese de escrever uma carta da prisão. “Como?”, respondeu Fonda. “Não vou estar com o celular”. Ela fez uma pausa: “Ou minhas fraldas geriátricas”. Além disso, ponderou a atriz em voz alta, que o reverendo Dr. Martin Luther King tenha escrito uma carta na prisão é uma coisa. Mas ela?
Fonda, 81, se mudou para Washington em setembro a fim de destacar a urgência da crise do clima ao realizar protestos diante do Capitólio, onde, usando um casaco vermelho brilhante, ela vem sendo detida a cada sexta-feira, há quatro semanas, muitas vezes em companhia de um ou outro amigo famoso: Sam Waterston, Ted Danson e, na sexta-feira (1º) mais recente, Catherine Keener e Rosanna Arquette. Fonda planeja continuar protestando até a metade de janeiro, quando a produção de sua série na Netflix, “Grace and Frankie”, será retomada, e antecipa passar na cadeia o seu 82º aniversário, em 21 de dezembro.
“Eu perguntei a ela se ia mesmo e obrigar a fazer aquilo”, recordou Keener na noite de quinta-feira. “Não vou se você não quiser, ela respondeu”. E no dia seguinte Keener, Arquette e Fonda estavam entre as 46 pessoas que a polícia deteve, usando algemas plásticas, por protestar no átrio monumental do Hart Senate Office Bulding, no Capitólio.
Keener e Arquette foram multadas e liberadas horas mais tarde, mas Fonda, que tem uma audiência judicial marcada por conta das detenções anteriores, passou a noite na cadeia, como antecipava. “Uma noite, grande coisa”, Fonda disse a jornalistas, minutos antes do começo do protesto.
Ela está em boa forma, mas ser presa em sua idade traz problemas, por exemplo o de como manter o equilíbrio com as mãos algemadas enquanto sobe no furgão da polícia. A semana passada trouxe algum alívio, porque a polícia conduziu os detidos, cujo número triplicou desde que ela começou o protesto, para um micro-ônibus com degraus baixos e de embarque mais fácil, enquanto espectadores aplaudiam: “Yeah, Jane!” Ao ser liberada na manhã seguinte, Fonda disse ao The Washington Post que havia usado o casaco como colchão e que estava com dor nos ossos.
Celebridades que se envolvem em protestos são alvos fáceis, e Fonda disse que não há dúvida de que ela se beneficia de sua fama e dos privilégios que ser branca lhe oferece, mas acrescenta que está usando o que tem. Fonda dirige um carro elétrico, evita usar plástico, come menos carne vermelha e reduziu seu número de viagens aéreas – as celebridades muitas vezes preferem jatinhos particulares, e Fonda disse que viaja em voos comerciais -, e diz que o motivo de seu protesto é a necessidade de fazer mais. “Por que ser uma celebridade se você não pode aproveitar isso em benefício de algo importante?”, ela questionou.
Fonda espera inspirar muito mais gente a ocupar as ruas e compelir os legisladores a forçar as companhias de de combustível fóssil a abandonar a exploração de trilhões de dólares em reservas petroleiras. Não importa que essa meta ambiciosa seja ou não atingida, Fonda já conquistou espaço, ao menos na cultura pop. Um vídeo que a mostrava sendo presa enquanto discursava para agradecer pelo prêmio Bafta ganhou circulação viral, e o Buzzfeed sugeriu que uma boa fantasia de Halloween para casais seria Fonda e o policial que a algema.
Embora Fonda tenha sido ativista durante toda a vida, a única outra ocasião em que tinha passado a noite na cadeia foi em 1970, quando ela tinha 32 anos e estava fazendo uma turnê de discursos de protesto contra a guerra do Vietnã. Na ocasião ela foi detida em Cleveland pela posse do que definiu como vitaminas. As acusações foram descartadas. Dois anos mais tarde, ela visitou o Vietnã do Norte, o que lhe valeu o apelido Hanoi Jane, e desde então vem se desculpando por qualquer insulto que isso represente aos soldados americanos.
O apelido pegou, no entanto, e no protesto da sexta-feira pelo menos um detrator, usando um boné MAGA [um dos slogans de Donald Trump], gritou repetidamente o apelido na direção dela.
Os protestos e as prisões de Fonda envolvem alguma produção. Há alto-falantes e músicos, temas semanais (o oceano, mulheres, militarização) e, a cada noite de quinta-feira, uma palestra educacional de uma hora de duração transmitida pelo Facebook.
A mais recente incluía a dramaturga Eve Ensler, amiga de Fonda, e a estrategista de políticas públicas Emira Woods. Arquette e Keener, sentadas no chão, assistiam. “Vocês são tão bonitinhas!”, Fonda lhes disse. “Minha líder destemida!”, respondeu Keener. Fonda acabava de chegar de uma palestra em Detroit, onde apareceu em companhia de Lily Tomlin, sua coestrela em “Grace and Frankie”, e pouco depois do final do programa, às 20h, a atriz gritou: “Hora de ir para a cama!”
O plano de protestar e forçar detenções começou a se desenvolver nos primeiros dias de setembro, quando ela estava de férias com Arquette e Keener, em Big Sur. Fonda estava enfrentando o que descreve como problemas físicos e de depressão pesados, que ela atribui às notícias cada vez mais negativas sobre o clima.
Naquele final de semana, ela estava lendo um exemplar de pré-publicação de “On Fire: The (Burning) Case for a Green New Deal”, novo livro de Naomi Klein, e a ideia a atingiu como um raio. “A ideia foi crescendo, crescendo, e de repente ela estava no telefone”, recorda Keener (que trabalhou com Fonda e Arquette no filme “Paz, Amor e Muito Mais”, de 2012).
Em conversa telefônica com Klein, Annie Leonard (diretora executiva da Greenpeace USA) e com o ativista ambiental Bill McKibben, o plano surgiu. Eles decidiram chamar os protestos de Fire Drill Fridays [sextas do alarme de incêndio], inspirados pelo lema da ativista adolescente sueca Greta Thunberg: “Nossa casa está em chamas”. O plano era que os manifestantes usassem vermelho, e Fonda disse que seu novo casaco, comprado em uma liquidação na Neiman Marcus, seria a última peça de roupa que ela compraria na vida, porque já tem coisas demais.
“Acho que ela recebeu a mensagem certa, dos protestos dos jovens, escreveu McKibben em um email. “É bom que a garotada esteja liderando, mas não é certo tomar o maior problema do planeta e entregar a solução a pessoas de 15 anos de idade”.
Houve percalços. A mudança para Washington significou perder tempo em companhia de seu neto, de três meses de idade. E os planos de Fonda de levar com ela o seu cachorro, uma Colon de Tulear chamada Tulea, de 15 anos de idade, a quem Fonda descreve como “sua maior companheira”, não deram certo porque o animal adoeceu e não podia fazer viagens aéreas.
Também havia a questão de “Grace and Frankie”. A produção da temporada final da série começaria em janeiro, e por isso Fonda ligou para Ted Sarandos, o vice-presidente de conteúdo da Netflix, para perguntar se a temporada podia ser adiada por um ano. Sarandos respondeu que não. (A conversa foi confirmada pela Netflix.) Fonda também tinha diversas palestras sobre a série marcadas. “Tentei deixar tudo de lado, mas tinha contratos assinados”, ela disse.
A manhã de sexta-feira nasceu clara e fria em Washington e, no porão de uma igreja perto da sede da Suprema Corte, dezenas de manifestantes do Fire Drill Friday se reuniram para comer doces, tomar café e definir estratégias.
Depois de concluir uma entrevista com a rádio NPR, Fonda, usando seu casaco vermelho e um chapéu fedora verde oliva, circulava entre as pessoas com um jeito maternal, cumprimentando os presentes e abraçando-os longamente. Em seguida eles saíram em marcha na direção do Capitólio, com Fonda à frente, enquanto operadores de câmera e jornalistas corriam para acompanhar o cortejo.
Um palanque com um pano de fundo do Fire Drill Friday foi erguido em um gramado, e entre as centenas de presentes estavam ex-estudantes da escola em que Fonda fez o segundo grau, a Emma Willard School, em Troy, Nova York; membros da Elder Climate Action, grupo de ativistas ecológicos de terceira idade; e um sujeito vestido de urso de pelúcia. Fonda cumprimentou a todos e convidou os presentes a subir ao palanque e falar, entre os quais Keener, Arquette (“toda vida humana depende de honrarmos o nosso planeta”), e Ensler, que recitou um poema sobre a Terra que levou lágrimas aos olhos de muitos dos presentes.
Depois, eles saíram caminhando em direção ao edifício do Senado, onde, pouco antes de ser detida, Fonda foi perguntada se sua desobediência civil estava surtindo o efeito desejado.
“Vocês todos estão aqui”, ela disse, apontando para as equipes de câmera e jornalistas. “Ou seja, acho que está funcionando”.
The New York Times, tradução de Paulo Migliacci
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