Celebridades

Gabriel Godoy convida homens a falarem sobre feminicídio: 'É função do homem debater'

Ator está em 'Homens?', série de Porchat sobre dilemas masculinos

O ator Gabriel Godoy

O ator Gabriel Godoy Edu Rodrigues

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São Paulo

Na TV, no cinema e no streaming, Gabriel Godoy, 35, tem cada vez mais trabalhos sendo lançados. No mais recente, "Homens?", série criada e protagonizada por Fábio Porchat que estreou dia 18 de março, Godoy vive Gustavo, homem que explora alguns dos principais medos que orbitam o mundo masculino e o próprio machismo.

“Achava muito pesadas algumas falas do meu personagem, mas precisava entender que era uma ficção para justamente mostrar o quão grotesco é esse lugar do machismo”, contou Godoy em entrevista à Folha.

Depois de viver personagens que também exploram a temática de forma mais aprofundada ou não, como na série “Assédio” e na novela “Verão 90” (ambas da Globo), o ator entende estar mais preparado para abordar o assunto em seu cotidiano.

“Não adianta fazer uma série para dar lição de moral e você, pessoa física, ser um ser humano com discurso pronto mas que não tem um trabalho físico. Acho que isso acontece muito. Na classe artística, todo mundo sabe de tudo. E acho que falta humildade, às vezes”, revela.

Em entrevista, ele avalia as conversas frequentes que têm sobre o assunto com as mulheres que o rodeiam – desde a namorada, até a terapeuta – e assume que trabalhar dentro deste universo não é fácil.

“Ao mesmo tempo que a gente fala que ‘a coisa está mudando’, a coisa não está mudando. [...] Você abre o jornal e não vê as coisas mudando. Olha o número de feminicídios que aconteceu em janeiro”, reflete. “Por isso acho que é também função do homem debater”.

Confira abaixo trechos da entrevista com Gabriel Godoy:

F5 - Como foi gravar uma série que explora o machismo com humor?

Gabriel Godoy - As questões que poderiam ser constrangedoras em "Homens?" estão muito bem amarradas. Teve uma preparação muito grande antes, durante e depois da série. O Fábio [Porchat] deu muita liberdade, podíamos mexer em tudo, até porque com essa temática é preciso ter cuidado.
Eu achava muito pesadas algumas falas do meu personagem, mas precisava entender que era uma ficção para justamente mostrar o quão grotesco e escroto é esse lugar do machismo. O Fábio tem o humor carioca, que eu sou fã, e eu tenho um outro tipo de humor, então fomos casando isso e gravando com velocidade, em apenas quatro semanas.

Gravar a série te fez repensar algumas atitudes suas?

Eu tenho observado muitos dos meus hábitos machistas. A primeira coisa que a gente tem que fazer é se assumir machista, ainda mais eu, que tenho 35 anos. Tenho duas irmãs mulheres, mas na minha geração, o machismo está impregnado dentro das células. Gravando, eu percebi muito esse papinho tosco de 'homem com homem'. E eu estou mais atento a isso, porque não é engraçado. Como homem, existe um trabalho de evolução. E para isso, temos que aguçar a nossa escuta e ter a humildade de assumir que a gente é imperfeito, e isso serve para homens e mulheres. É importante buscar poder evoluir.

Você também já esteve na série "Assédio" da Globo. Isso te ajudou a compor o novo personagem?

São universos diferentes. Mas eu falei bastante com a minha terapeuta sobre acessar esse lugar do ‘macho bem escroto’. Aqui, por ser comédia, acho que consegui um pouco. Mas resumindo, trabalhar nesse universo não é fácil. Porque ao mesmo tempo que a gente fala que ‘a coisa está mudando’, a coisa não está mudando.
Eu vim de duas séries sobre o machismo, e ouvimos muito que 'as coisas estão mudando'. Mas você abre o jornal e não vê isso. Olha o número de feminicídios que aconteceu em janeiro. Por isso acho que é também função do homem debater. Em uma roda de amigos, começar a falar ‘Querido, vamos parar de fazer essa piadinha?' ou ‘Não fala desse jeito com sua esposa ou filha’.
Vemos figuras públicas que postam muito sobre política, mas não sobre o assédio. Ou até, apoiam quem o praticou. Quando teve o caso do João de Deus eu fiz questão de falar sobre isso, porque diz respeito a nós, seres humanos. A gente não pode ignorar isso.

Com o seu personagem Galdino em “Verão 90” (novela das sete da Globo), você consegue fazer um paralelo do machismo dos anos 1990 com os dias atuais?

Eu vejo alguns núcleos da novela bem machistas. O que o Kayky Brito está fazendo é um desafio tremendo. O que o Quinzinho (Caio Paduan) faz com a Larissa (Marina Moschen) é muito machista também. E são coisas que ainda acontecem muito. Eu, como Gabriel, às vezes não quero que apareçam essas cenas porque está na hora de mudar. Mas a gente tem que usar a dramaturgia e a TV para mostrar que isso existe.

Como foi a preparação do seu personagem para "Homens?"?

Percebi que tive uma liberdade para colocar o que eu pensava na série. Foi uma das que a gente conseguiu trabalhar em coletivo, que é uma coisa óbvia que tem que acontecer, mas não é em todo o trabalho que você consegue. Sobre o personagem, não chego a me identificar muito com ele: saí de casa com 20 anos porque morava longe. Por ter duas irmãs mulheres e estudar em colégio de pedagogia Waldorf, tive uma criação em um lugar que não me deixava falar essas barbaridades que meu personagem fala.

De tempos para cá, você acha que evoluiu como homem?

Acho que sim, mas isso não quer dizer resultado, quer dizer processo. Adoraria que todo mundo vivesse com uma plaquinha de ‘em manutenção’, porque a gente vai mudar para sempre. Mas com certeza estou muito mais atento. Converso muito com a minha namorada e pergunto sobre minhas atitudes serem ou não machistas. A mesma coisa com a minha irmã, mãe, sogra e na terapia. Eu sou comunicativo, gosto de falar, mas também gosto de comédia, o que é perigoso, porque tem que tomar cuidado com o que fala.
E claro, não adianta fazer uma série para dar lição de moral e você, pessoa física, ser um ser humano com discurso pronto mas que não tem um trabalho físico. Acho que isso acontece muito. Na classe artística, todo mundo sabe de tudo. E acho que falta humildade, às vezes, das pessoas públicas. Mas estou generalizando, não tem como apontar.
Antes de falar, é preciso pensar porque a sua fala vai repercutir. É preciso ter calma, escutar e ter uma boa reflexão antes. Isso vale para um post, para entrevistas… Porque você tem crianças e adolescentes lendo aquilo, então há uma responsabilidade social.

Quais são os seus projetos de 2019?

Agora, vou gravar “Verão 90” até o meio do ano. Vou lançar dois longas, “Incompatível”, do Johnny Araújo, e “Maior que o Mundo”, de Roberto Marquez. Também estou em um processo teatral com dois amigos, e tenho um coletivo de roteiristas e amigos com nossos projetos. Tomei alguns ‘nãos’ da própria Netflix, mas agora acho que temos força para amadurecer as ideias.
A ideia mais madura é a de uma série de comédia, de um casal, e a gente está trabalhando ele bem para poder apresentar para os canais. É o meu objetivo do futuro, e agora tenho essa referência muito forte do Fábio Porchat para fazer meus próprios projetos. Acho que tenho potencial para isso e parceiros talentosos ao lado com quem posso unir forças para executar. Estou só aprendendo agora, com o Fábio, como ter energia, qualidade e saúde para estar presente em cada momento. Porque ter um monte de trabalho e não conseguir fazer nenhum direito, não é o que me interessa.

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